segunda-feira, 12 de abril de 2010

''O Rei Leão'', a mãe leoa




Dizer que mãe se sacrifica pelos filhos não é nenhuma novidade. Mãe pobre então, nem se fala. Minha mãe sempre foi assim, punha minha irmã e eu como prioridades sempre. Sacrificou-se muito, a coitada. Graças a Deus, seu sacrifício valeu a pena e o tempo das vacas magras passou, não sem deixar preciosas lições e muitas lembranças.
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Basta conversar com a Dona Jandira para notar o grande valor que ela dá à educação e à cultura. Minha mãe sempre acreditou que a arte nos eleva e nos torna pessoas melhores, além de proporcionar entretenimento e lazer. Mas arte e cultura para pobre é um luxo no Brasil. Uma auxiliar de enfermagem, vinda do interior, com uma criança na frente e outra atrás, não podia se dar ao luxo de frequentar teatros, ir a shows, exposições... O que era possível, de vez em quando, eram passeios aos domingos (quando ela não estava trabalhando) no Parque Municipal de Belo Horizonte. Como eram bons aqueles passeios... Se eu pudesse voltar no tempo, não os trocaria por nenhuma Disneylândia com todo dólar do mundo. Éramos felizes e não sabíamos (antes que meu leitor se debulhe em lágrimas, é preciso frisar que sou feliz até hoje, ok?).
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Lembro-me de minha mãe nos levando a peças encenadas na rua e a oficinas promovidas pela prefeitura. Lembro-me dela lendo para nós e nos contando estórias que ouviu em outros tempos. Ela cercou-nos de conhecimento e sonhos. Pela semente lançada por ela é que me embrenhei no mundo das letras. Por esforço dela é que minha irmã e eu vencemos a barreira do ensino médio e chegamos à graduação: realidade tão distante na minha primeira infância em Itabirinha.
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Num dos esforços de minha mãe para que fôssemos atores no mundo, não espectadores, lembro-me do lançamento do filme "O Rei Leão", em 1994. O filme foi um fenômeno, segundo a Wikipedia, "tornou-se o maior sucesso da Disney, com 312 milhões de dólares somente nos Estados Unidos e US$783.841.776 ao redor do mundo. Foi a animação de maior bilheteria, até "Procurando Nemo", em 2003. No Brasil, fez mais de 500 mil pagantes na estréia e 4,2 milhões no total. O VHS vendeu 4,5 milhões de cópias no dia da chegada em 1995, e o DVD, em 2003 chegou a 2 milhões na estréia." Foi a sensação daquele ano. Os cinemas foram lotados por crianças e mais crianças, inclusive minha irmã e eu, certo? Errado! Em Betim não havia cinema naquela época e, onde havia, os ingressos eram absurdamente caros para nossas condições de então.
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Mas, se "O Rei Leão" marcaria a infância de toda uma geração, Dona Jandira não se permitiria deixar seus dois pimpolhos sem participarem daquele ''momento histórico''. Seus filhos teriam que ver "O Rei Leão"! Assim que foi lançado o VHS, minha mãe descobriu uma conhecida sua que tinha em casa um dos objetos de maior desejo dos anos 1990: o videocassete. Conversou com sua conhecida, alugou a fita e marcou um dia para irmos até lá assistir ao badalado filme. Lembro-me que a casa em que vimos o filme ficava em frente ao trabalho de minha mãe. Fomos para lá depois do almoço, início da tarde. Minha mãe deu uma fugidinha do trabalho para nos dar um beijo e ver se estávamos gostando do filme.

As coisas mudaram. Melhoramos de vida. Passado algum tempo compramos videocassete, televisor colorido com controle remoto (a primeira tv que tivemos era vermelhinha por fora e de tela preto e branco, às vezes, para ligar, tínhamos que dar um soco nela), aparelho de som, móveis novos, a casa própria, carro, estudamos, outra casa (maior e num bairro melhor)... Hoje vamos ao teatro sempre que podemos, ao cinema, regularmente, a shows... Compramos livros com frequência, temos internet banda larga e assinaturas de revistas. Tudo melhorou substancialmente. Novas perspectivas se abriram para nós. Sonhamos mais alto agora. De vez em quando, porém, em vez de sonhar, é melhor recordar. Recordar a luta de minha mãe para nos dar dignidade, mesmo quando o mundo insistia em nos negá-la. Hoje sei que, mais que "O Rei Leão", eu tive uma mãe leoa. Guerreira, que não abandona a cria. Que vai à caça. Que luta.
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Mãe, amo a senhora.









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