sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Resenha do artigo “As mulheres e a filosofia”, de Alfredo Culleton, contido no livro As mulheres e a filosofia, organizado por Márcia Menezes Tiburi, Marli Magali de Eggert. Rio Grande do Sul. Editora Unisinos.



Nesse artigo, Alfredo Culleton analisa a participação da mulher na filosofia da Idade Média. O autor começa por criticar a falta de estudos sobre o período medieval, com seus mil anos de história, ao qual é dedicado, nos manuais de filosofia, tantas páginas quantas ao Renascimento, que durou duzentos anos.


Uma importante observação que o autor faz é sobre as adjetivações análogas que as mulheres e a Idade Média recebem do senso comum, como sendo regidas por princípios não-universalizáveis, como a religião, a magia ou a bruxaria. Preconceitos que se desfazem quando se estuda esses universos, medieval e feminino, que é a proposta do artigo.


Culleton, entretanto, dá vários exemplos que contrariam o pensamento preconceituoso sobre as mulheres na Idade Média. Heloísa e Abelardo é um deles. A incrível e surpreendente história desses dois amantes ocorreu no período medieval, e apesar de ter sido Heloísa, como define Culleton, muito mais brilhante e íntegra do que o seu amante Abelardo, não foi assim considerada em sua época, sendo Abelardo lembrado até hoje, por sua lógica. Com esse exemplo podemos entender como a participação do feminino era tida como insignificante.


O autor lembra também dos questionamentos sobre o prazer sexual e a anatomia feminina, nesse período. Os orgãos sexuais humanos eram analisados e comparados como forma de poder. Culleton cita Claude Tomasset, que trata desse tema, lembrando de que Aristóteles e Galeno tinham idéias semelhantes sobre as genitálias masculina e feminina, eram inversas. Sendo a proposta anunciada de que o instrumento sexual feminino seria a matrix, criada à semelhança do instrumento sexual masculino. Um desses instumentos é acabado e voltado para o exterior, vão dizer eles; o outro é diminuído e retido no interior, constituindo de certa maneira o inverso do instrumento viril. Essa ideia, que hoje pode soar como absurda, era uma das maneiras de se justificar a superioridade do sexo masculino.


O prazer feminino, segundo Culleton, era na Idade Média um mistério que só os indivíduos desse sexo podiam entender. O fato da mulher possuir em sua anatomia o clitóris, e esse não fazer parte do processo reprodutor, evidenciou um paradigma teológico. Tal membro, não possuia um nome, mas em algumas situaçãoes, quando necessário denominá-lo, era usado um termo árabe. Esse fator incomodava muito os homens, porque, graças ao clitóris, o prazer feminino é um mistério, um mito, uma arte que deixa as mulheres solidárias e cúmplices de um segredo que se transmite de mulher para mulher e que os homens jaqmais conheceram.


Culleton chama a atenção para o fato de não constar nos manuais de filosofia um pensamento claro a respeito da existencia humana; pois, para ele, se houvesse essa preocupação, tanto a idade média quanto as mulheres teriam mais espaço. O autor menciona autores como Alain de Libera que criticaram o pensamento medieval e seus filósofos, como, por exemplo, os ingleses Duns Escotus e Ockham que mais do que pelo argumento, pela zombaria, foram desqualificados; e Russell, para quem a Idade Média era estéril, devendo morrer pelo riso ou pela cólera.


Alfredo Culleton encerra suas observações da participação feminina no período medieval mostrando que houve uma tentativa de reconhecimento da igualdade de gênero, quando, por exemplo, no século XI, o sacramento do matrimônio é instituído como fruto do consentimento mútuo, mesmo sem a exigência de uma validação dada pelo clero, que só passou a ser condição a partir do século XVI. Culleton também lembra a participação da mulher no diaconato e em outros cargos eclesiásticos.


Entretanto, para o autor, o ponto crucial é que na Idade Média se pensa de uma maneira diferente à da lógica ou da razão-cálculo, inaugurada por Descartes (...) na Idade Média, a questão seria muito mais a de um pensamento que podemos chamar de ANALÓGICO.


Alfredo Culleton defende o pensamento analógico, do ponto de vista da filosofia, como tão racional e idôneo quanto a razão-cálculo moderna, mas com suas peculiaridades, como a de ser multifacetado, reticular e hipertextual. Daí a importância da imagem, dos símbolos, da intenção.


Culleton cita o esforço de autores contemporâneos para resgatar elementos da obra de pensadores pré-modernos e defende que valorizá-los não é resgatar o quanto de moderno existe neles, e sim ver o quanto de original existe na sua pretensão de entender o sofrimento, a dor, a loucura, o poder, a culpa e o prazer. É reconecer seu modo próprio de dar sentido. E encerra sustentando que o reconhecimento da mulher no período medieval é o reconhecimento da própria mulher.

domingo, 18 de outubro de 2009






Quem já não assistiu o filme A vida é bela? Maior concorrente do brasileiro Central do Brasil no Oscar 1999, o filme italiano (no original, La vita è bella) emocionou plateias do mundo inteiro e, ao meu ver, mereceu mesmo todos os prêmios que recebeu. A vida é bela, muito me seduz por conter, mesmo em meio ao drama vivido pelas personagens, leveza e bom humor. Eis a maior lição do judeu Guido: onde há amor, há humor. Não tecerei mais críticas aqui, porque não sou nenhum especialista em cinema. Meus elogios se devem à minha condição de espectador satisfeito.
Além de mim, Avida é bela marcou muitas pessoas, entre elas minha irmã, que o citou outro dia num bate papo que tivemos aqui em casa. Ela se lembrou do filme ao comentar a situação de uma amiga sua que dá uma de Guido Orefice - vive um esforço tremendo para fazer a vida parecer mais amena para seus filhos.
Minha irmã e sua amiga se conhecem dos tempos de escola. Estudaram juntas lá pela sexta série. Depois suas vidas seguiram caminhos diversos. Minha irmã estudou, investiu em si mesma e na carreira. A amiga dela se envolveu muito jovem com homens. Foi mãe aos quinze. Penou. Sofreu. Comeu o pão que o Diabo amassou. Hoje está casada, é cabeleireira e mãe de três crianças. Sua vida não é fácil, ela enfrenta aquilo que todo mundo que não nasceu de quina pra Lua tem de enfrentar: pretações, farmácia, roupa, calçados, material escolar... e tem tido êxito nessa tarefa - não sem desgastes, obviamente.
A amiga de minha irmã é uma baita mãezona. Procura dar aos filhos a melhor educação possível, mostrando a eles o quanto a vida é maravilhosa e digna de ser preservada. Um velho ditado resume bem o esforços dessa mulher: ela faz das tripas coração. Se um de seus filhos faz aniversário, e ela não tem dinheiro para comemorar, os amigos são convocados a colaborarem. Cada um contribui como pode. Com um pouquinho de trigo daqui, um refrigerante de lá, balões dacolá... e com muito amor: a festa está montada!


Outro dia fariam um piquenique num parque da cidade. Mãe animada e filhos empolgadíssimos. Soube que um bolo de chocolate estava sendo preparado para a ocasião. Deve ter sido um sucesso o passeio. O parque ao qual foram não é nenhuma das sete maravilhas, mas o bairro em que vivem não fica atrás. Algumas árvores de frondes raleadas, brinquedos depredados, muita pichação e skatistas. Um lugar inóspito para muita gente, tal qual o campo de concentração em que estiveram Guido e Josue. Talvez a amiga de minha irmã nem ache a vida tão bela quanto procura fazer parecer, entretanto vê a importância de seus pequenos não desistirem do jogo. Assim vão caminhando...



***




Para você, caro leitor, que tenha se interessado em assistir à película, deixo mais abaixo dados que o informarão melhor, se é que que você ainda não teve a oportunidade de ver esse clássico do cinema mundial.
A Vida É Bela (La vita è bella). Itália. 1997. Cor. 116 min. Direção: Roberto Benigni. Roteiro/Guião: Vincenzo Cerami / Roberto Benigni. Elenco: Roberto Benigni, Nicoletta Braschi, Giorgio Cantarini, Giustino Durano, Sergio Bini Bustric, Marisa Paredes. Género: Comédia dramática. Idioma: Italiano.

Na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, Guido, filho de judeus, é mandado para um campo de concentração, juntamente com seu filho, o pequeno Giusoé. Guido é um homem simples, inteligente e espirituoso, um pai amoroso, e graças a isso consegue fazer com que seu filho acredite que ambos estão participando de um jogo, sem que o menino perceba o horror no qual estão inseridos.
A primeira parte do filme tem as características já peculires aos filmes de Benigni, no estilo pastelão, repleto de trapalhadas. Esta parte é centrada na comicidade romântica, na luta de Guido para conquistar sua principessa Dora. Embora esta porção do filme não seja considerada de grande impacto, ela é crucial para desenvolver o vínculo entre Guido e Dora, que será fundamental para criar o impacto dramático no restante das cenas.
Aos cinqüenta minutos o filme tem a passagem da comédia para o drama. Agora o ano é 1945, a guerra está em sua fase final, Guido e Dora têm um filho de cinco anos. É quando pai e filho são levados para o campo de concentração e inicia-se todo o empenho de Guido em esconder de seu filho o horror e os perigos que os cercam. Dora ao perceber que Guido havia sido levado, pede para também ser levada, embora não fosse judia, e teve seu pedido aceito, demonstrando a enorme prova de amor de uma mulher pelo seu marido e pelo seu filho.

Principais prêmios e indicações:
  • Oscar 1999 (EUA)
    Venceu nas categorias de melhor ator (Roberto Benigni), melhor filme em língua estrangeira e melhor canção original. Indicado nas categorias de melhor filme, melhor diretor, melhor montagem e melhor roteiro original.
  • Festival de Cannes 1998 (França)
    Recebeu o Grande Prêmio do Júri. Indicado à Palma de Ouro.

  • Prêmio César 1999 (França)
    Recebeu o prêmio de melhor filme estrangeiro.
  • Prêmio Goya (Espanha)
    Venceu na categoria de melhor filme europeu.
  • Prêmio Grammy (EUA)
    Indicado na categoria de melhor composição instrumental escrita para o cinema.
  • Academia Japonesa de Cinema 2000 (Japão)
    Indicado na categoria de melhor filme estrangeiro.
  • BAFTA 1999 (Reino Unido)
    Venceu na categoria de melhor atuação de um ator protagonista (Roberto Benigni). Indicado nas categorias de melhor filme em língua não inglesa e melhor roteiro original.
  • Prêmio David di Donatello 1998 (Itália)
    Venceu nas categorias de melhor ator (Roberto Benigni), melhor fotografia, melhor figurino, melhor diretor, melhor filme, melhor produção, melhor cenografia e melhor roteiro. Indicado na categoria de melhor música.


Curiosidades:

  • A atriz Nicoletta Braschi, que fez o papel de Dora, mulher do personagem Guido, é casada com o ator Roberto Benigni na vida real.
  • O Oscar de melhor ator que Roberto Benigni recebeu foi o segundo na história da academia em que um ator que dirigiu o filme também foi escolhido o melhor ator; a outra vez aconteceu em 1948, em Hamlet, quando Laurence Olivier foi o diretor e também o ator premiado.
(Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A implantação da internet no Brasil




Diferentemente da realidade norte-americana, a implantação da internet no Brasil se deu por “questões de Estado”, enquanto nos EUA interesses acadêmicos falavam mais alto. Em 1969 a agência Advanced Research and Projects Agency (ARPA) desenvolveu um projeto para conectar os computadores de seus departamentos de pesquisa.


Em terras brasileiras, no ano de 1975 o Ministério da Comunicações incumbe a Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) de instalar e explorar uma rede de transmissão de dados. Por trás da iniciativa do governo brasileiro, então exercidos pelos militares, havia interesses de caráter estratégico-militar, embora houvesse outra ala do governo que enxergava na tecnologia importantes oportunidades para o desenvolvimento do país.


Em Julho de 1980, uma comissão da Secretaria Especial de Informática, responsável por examinar a situação da teleinformática no Brasil, concluiu que possuíamos um desenvolvimento tecnológico comparável ao dos países desenvolvidos na década de 1960, ou seja, um atraso de vinte anos. A comissão responsável por esse levantamento elaborou, então, uma série de recomendações com vistas ao desenvolvimento do setor.


Nos últimos anos da década de 1980 a Embratel se dava conta do aumento do número de microcomputadores comercializados no país e da subutilização dos bancos de dados organizados por instituições governamentais e privadas e apostou então na possibilidade de interliga-los, como já se estava fazendo nos países centrais. Nessa época, os computadores instalados nas empresas tinham usos bem restritos, destinavam-se, sobretudo a facilitar tarefas de rotina, tais como controle de estoque e listagem de clientes.


Em 1987, um projeto da Embratel chamado Cirandão contava com 2.256 assinantes, uma clientela muito aquém das expectativas empresa. Tal desinteresse era explicado pelo fato das alternativas a disposição dos assinantes serem muito pequenas, sendo o correio eletrônico o principal atrativo.


A internet só viria a “emplacar” no Brasil em 1995, com a veiculação pela Rede Globo da telenovela Explode Coração. Atualmente é quase impensável a vida sem internet. Por ela são feitas transações bancárias, compras, envio de dados, etc. Em torno dela também surgiu todo um estilo de vida que contempla relacionamentos interpessoais e se formou comunidades de interesses comuns que possibilita a reunião de pessoas que estejam em qualquer parte do globo.


Obviamente, toda empreitada humana, por mais bem intencionada que seja, tem seu aspecto negativo. Com a internet também não é diferente. Com seu advento novos tipos de crimes surgiram e a jurisprudência está tendo que se rever. Toda a sociedade se envolve, hoje, num grande debate para minimizar a ação de criminosos que se valem da rede mundial. Pela galeria de bandidos virtuais figuram pedófilos, estelionatários, espiões e uma gama infindável de pessoas com objetivos escusos.


Com relação ao mundos dos negócios, esse nunca mais foi o mesmo depois da internet, que em si é um grande negócio, se tornou quase uma “commodity”. Grandes corporações cada vez mais voltam seus olhares para a possibilidade da estrutura global de informação da internet suportar outros serviços comerciais. Há quem preveja um futuro em que as transações comerciais se dêem quase que exclusivamente pela internet. Quem viver verá, e pela velocidade com que a tecnologia e as mudanças decorrentes dela surgem, não será preciso viver muito para isso.

sábado, 29 de agosto de 2009

Cerveja? Tá liberada

Sempre procurei fazer a linha politicamente correto, não para ser o bonzinho e ganhar a simpatia das pessoas, mas por entender que determinadas posturas, ditas "certinhas", se convertem em benefícios a mim e aos que me rodeiam. Sendo assim, nunca me dei às farras, vícios ou esportes radicais. A mim no me gusta la vida loca, meu instinto de preservação da vida é forte e atuante. Já cheguei a mudar de escola, certa vez, para não correr o risco de apanhar de uns valentões invejosos, mas essa é outra história e o "medo de apanhar" foi apenas um dos pretextos para que minha mãe me tranferisse para o colégio dos meus amigos.


A época de escola passou e cheguei à universidade com meus príncipios inabalados. Fiz novos amigos, participei de vários eventos, fui a festas e casas de show sem me deixar "contaminar". É fato que pessoas que tiveram uma formação moral e religiosa como a que tive podem vir a ser poços de preconceito e arrogância, pessoas para as quais o mundo é indigno delas. Não é o meu caso. Como disse, meu não-fazer se situa no campo ético. Gosto de pôr a cabeça no travesseiro e não sentir culpa. Ocorre, porém, que recentemente tenho vivido de cabeça cheia e achado minha rotina um fardo muito pesado. Também pudera, estar com a formatura à vista, dois estágios a fazer e um relatório monstruoso de conclusão de curso não é das atividades menos estressantes.


Quando as coisas apertam, como teem apertado, costumo recorrer aos amigos, o melhor remédio para aliviar a seriedade da vida. Dia desses, uma sexta-feira para matar qualquer cristão, resolvi cabular. Sentei-me em um banco do saguão de entrada da faculdade e fiquei olhando os transeuntes. Três colegas que iam em direção à rua se juntaram a mim e me convidaram para ir a um bar próximo. Topei. De outras vezes já estive lá com outros colegas e bebi um ou dois copos de cerveja, nessa sexta-feira, entretanto, eu queria mais. Não sei ao certo quanto bebi, só sei que foi o suficiente para aliviar toda a tensão em que eu estava. Ri muito e dormi um sono gostoso, sem datas, provas ou professores me atormentando nos pesadelos. No dia seguinte... a culpa!


Começou a martelar na minha cabeça uma ideia neurótica de que daquela vez eu me excedera, que viciados não chegam da noite para o dia ao fundo do poço, que todo alcoólatra começou com um primeiro gole... blá, blá, blá... Oh troço chato essa tal de consciência! Para piorar as coisas, na segunda-feira, no estágio que faço em uma escola, uma colega estagiária vira para mim e solta esta: "nossa! Eu não tinha reparado no quanto sua barriga está crescendo..." Putz grila, essa foi para machucar... não contribuiu em nada, só ajudou aquela vozinha chata dentro da minha cabeça a falar mais.


Para minha alegria, ao chegar em casa encontrei a edição de agosto de uma revista sobre saúde, da qual sou assinante. Folheando-a qual não foi meu alento? Uma matéria cujo tema foi "O lado muito saudável da cerveja". Obviamente a revista não faz apologia ao alcoolismo, nem prega que devamos enxugar todas nos fins de semana. Em vez disso, traz informações nutricionais sobre a loira, comparando-a ao vinho, no quesito "bebida amiga da saúde" - se tomada com moderação. Pela revista pude descriminar a cerveja e já cogito visitas amiudadas aos botequins da PUC. Agora sei a "cerva" não é nenhum bicho-de-sete-cabeças, talvez seja um bicho dos sete pneus na barriga, mas isso não é nenhum impeditivo para eu deixar de ir aos bares. Se não for pela cerveja, que seja pelos amigos.

terça-feira, 23 de junho de 2009

As velhinhas são ótimas



Uma das vantagens de estudar na PUC Minas é o longo período de férias que seus alunos gozam. É 23 de Junho e já estou sem ter aulas há pelo menos duas semanas, entretanto, hoje necessitei ir ao campus para falar com uma professora. Como minha irmã ia resolver alguns assuntos ali por perto, aproveitei e fui de carona. Em frente à universidade pedi a ela que me esperasse, voltaria rápido. Ela achou melhor não esperar, pois o que ela tinha para fazer também não demoraria. Combinou de passar para me buscar daí a alguns minutos. Resolvi meus assuntos e fui para um ponto de ônibus próximo ao campus. O tempo foi passando e nada de minha irmã chegar, telefonei-lhe. Fiquei sabendo que ela estava no shopping "olhando só uma coisinha", mas que voltaria rápido. Pobre de mim, cai no conto-do-vigário. Era por volta de 16:30 quando falamos ao celular, 18:00 horas foi quado ela passou para me buscar.

Xinguei, reclamei, praguejei, mas o tempo decidiu não passar. Resolvi então observar os transeuntes e as coisas ao redor. Foi uma experiência interessantíssima. Pude ver que as pessoas se reparam o tempo todo, porém desviam o olhar quando são observadas. Fazem um jogo interessante de rabatidas de olhares. Um olha, o outro desvia; o outro olha... Mas não se cumprimentam! Não iniciam uma conversa. Permanece cada um no seu quadrado. De vez em quando aparece alguma velhinha que foge à regra. As velhinhas são ótimas. Chegam ao ponto perguntando se ônibus que esperam já passou, essa simples pergunta é um disparador de conversa. Se quem estiver no ponto for bom de papo, a conversa se encerra com convite pra tomar cafezinho na casa da velhinha; se for uma pessoa taciturna, não há problema, por mais taciturno que alguém possa ser, esse alguém é no mínimo um corpo que a velhinha poderá interpretar como ouvinte.



É notório e sabido de todos que sou um falador inveterado, logo, sou o delírio das velhinhas. Atualmente, a sociedade ocidental passa por um processo de isolamento cada vez maior do indivíduo. Nos tornamos cada vez mais egoístas, preferimos maltratar nossos tímpanos, ao ouvir nossos ipods no volume máximo, em detrimento de um bom dedo de prosa. Quanto perdemos agindo assim... A começar pelo café da velhinha, perdemos receitas de bolo, de chás, de remédios caseiros, perdemos narrativas fantásticas, exemplos de vida e uma comunicação com o passado que pode enriquecer nosso futuro.


Não pensemos que dialogar com idosos é algo maçante ou incongruente com a atualidade. Muito pelo contrário! Dia desses, encontrei, também num ponto de ônibus, uma velhinha que foi maconheira - eu nunca imaginei, até então, que isso fosse possível. Foi uma das conversas mais proveitosas que tive na vida. Se eu pudesse na hora, teria chamado uma equipe do Fantástico para mostra a todo o Brasil o depoimento que apenas eu e uma mulher tivemos a oportunidade de ouvir. Lembro-me que estavam conversando a mulher (aproximadamente 27 anos) e a idosa (85 anos, os quais enfatizou). Em dada altura do diálogo, o silêncio falou mais alto e a mulher, numa atitude quebra-gelo, falou qualquer coisa sobre "os jovens de hoje em dia que se perdem nas drogas". Foi o ensejo para a velhinha dar seu testemunho. Com habilidades de boa oradora, contou-nos sobre os tempos passados. Contou-nos como fugiu de casa para ir atrás de um homem casado e como se viciou em barbitúricos e outras drogas. Disse, com desdém para a hipocrisia da sociedade, que as drogas existem desde que o mundo é mundo e que apenas vão se substituindo as fórmulas. Terminou seu relato contando como conseguiu dar a volta por cima: força de vontade e apoio, no caso dela, encontrado na religião. Já à porta do ônibus em que embarcou, fez uma constatação muito séria. Disse, à mulher para quem "os jovens de hoje em dia" são um problema, que cadeia não resolve, que apenas mais policiais não resolvem, que nenhuma iniciativa punidora resolve a crise moral e de valores pela qual o Brasil passa. Em tom solene vaticinou: a solução virá no dia em que nos amarmos mais uns aos outros, no dia em que pararmos de olhar para o próprio umbigo. Embarcou no ônibus e eu nunca mais a vi.


O depoimento sobre as drogas mais as quase duas horas que minha irmã me deixou esperando-a, serviram para eu pensar que talvez a solução de nossos problemas esteja nos pontos de ônibus ou nas velhinhas, não sei ao certo. Por enquanto é só um pensamento, não completei meus devaneios, mas creio que se não for uma solução, bater papo no ponto de ônibus é melhor do que ouvir ipod, pelo menos não deixa ninguém surdo.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Noctívago, pero no mucho


É fato: sou um adepto da noite. Desde a mais tenra idade, tenho problemas para dormir. Das primeiras lembranças que tenho da infância, a mais antiga talvez seja a de minha mãe deitada comigo e cantando para eu dormir: Para o neném dormir, mamãe canta uma canção/ Para o neném dormir perto do meu coração... Quanta saudade trago no peito...! Mas creio se tratar de uma saudade solitária, é bem possível que minha mãe não tenha boas recordações dessa época. Ocorre que quando ela começava a cantar eu a acompanhava e o que era para ser uma canção de ninar se transformava numa cantoria.


Na pré-adolescência, com rotina quase militar a ser seguida, sentia-me extremamente perturbado e não compreendia o porquê da vontade quase incontrolável de varar a noite acordado. À luz - ou à treva - da religião, atribui minha angústia a alguma espécie de espírito malígno. Somente a rebeldia adolescente foi capaz de me levar a transgredir uma lei pétrea de minha casa: a noite é para dormir. Inúmeras madrugadas passei lendo, assistindo televisão, navegando na internet ou simplesmente rolando na cama, pensando na morte da bezerra. Fazia-o sem culpa, sem medo de ser feliz, e nunca me senti prejudicado por isso. Minhas notas na escola eram exemplares e eu dava conta de assimilar bem os conteúdos que estudava. Não era sonolento, tampouco desanimado.

Os vinte anos chegaram e com eles as responsabilidades de adulto: consegui um emprego. Trabalhava numa fábrica de espumas automotivas, de seis da manhã às três da tarde, prestava monitoria na universidade, de quatro às sete, e estudava de sete às dez e meia da noite. Foram dias difíceis, mas para espanto dos que atribuiam minha preferência pela noite à falta do quê fazer, eu chegava em casa morto de cansaço e não conseguia dormir cedo. Alguém pode pensar que se tratava de insônia, mas não, eu sinto sono. Tenho um relógio biológico que só me diz que é hora de dormir depois das quatro da manhã. Mesmo com uma rotina de derrubar qualquer cristão (o trabalho na indústria era muito pesado), inúmeras vezes eu passei a noite em claro, rolando na cama, e fui para a lida sem ter pregado os olhos. A solução que encontrei foi pedir aos meus superiores que me transferissem para o turno da noite.

O tempo das vacas magras, graças a Deus, passou. Hoje posso me dedicar exclusivamente aos estudos e vou me virando com a graninha dos estágios, mas o hábito de trabalhar à noite persiste, como agora. É algo quase que instintivo, a noite começa e com ela minha mente fica desperta, meus sentidos se tornam mais aguçados e as idéias começam a ferver. É à noite que eu me encontro, ou me perco... Acontece, porém, que recentemente a culpa por dormir tarde voltou a me rondar. Na minha casa seguimos a linha politicamente corretos. Nos preocupamos com o meio ambiente, com a política, acompanhamos o que acontece à nossa volta e cuidamos de nossa alimentação e de nossos hábitos. Para nos mantermos bem informados, estamos sempre lendo publicações que abordam temas relacionados à qualidade de vida. Uma das revistas que assinamos é "Saúde!", da Editora Abril. Nela sempre há reportagens interessantes sobre nutrição, estudos científicos, et cetera. No mês passado, a matéria de capa foi sobre nove atitudades que ajudam a evitar o câncer. Quando a revista chegou, fui com toda sede ler a matéria e qual não foi minha decepção? A primeira atitude: durma cedo. A matéria diz que o não dormir nos expõe ao câncer e que, em caso deste já estar se desenvolvendo, as noites em claro só fazem acelar a evolução da doença. A reportagem diz ainda que é também à noite, quando nos entregamos ao travesseiro, que a glândula pineal, no cérebro, fabrica a melatonina - hormônio que regula o ritmo biológico e tem efeito antioxidante. Para o desespero dos noctívagos, não basta só dormir à noite, segundo a revista, o pico na produção de melatonina ocorre por volta de uma da manhã e é necessário que se esteja dormindo há pelo menos uma ou duas horas.

Foi um golpe terrível para mim, só não me alarmei mais por que os estudos científicos ainda têm muito que prosseguir. Tenho tentado tomar as tais atitudes de que a revista fala, mas já esbarro logo na primeira, como estou fazendo agora - precisamente uma hora da manhã - ao escrever este texto. Minha cota de melatonina de hoje já foi para o beleléu... tentarei compensar dormindo mais cedo amanhã, digo, hoje. Por isso : sou noctívago, pero no mucho.