domingo, 9 de outubro de 2011

Steve Jobs


Uma das sensações que a vida trás após alguns anos é a de que somos espectadores da história. Aos vinte anos conservamos a sensação gostosa de ter uma vida inteira pela frente, mas já vivemos o suficiente para acompanhar as mudanças que o tempo impõe a todos. Recentemente, um câncer pancreático levou o lendário Steve Jobs. Ainda estamos no calor do acontecimento, mas analistas já afirmam ser possível dividir o mundo em pré e pós-Jobs. Não vou tecer comentários sobre o legado do empresário, nem sobre a genialidade do homem das bugingangas eletrônicas. Nem sou tão aficionado assim por tecnologia, embora não saiba viver sem ela.

Ao versar sobre Steve Jobs, cairei no lugar-comum e até mesmo cometerei plágio. Repetirei o que já foi dito. Tão logo divulgou-se a notícia de que o cara da Apple falecera, um video bombou na internet. Trata-se de um discurso proferido por Jobs por ocasião de uma formatura na prestigiada Universidade de Stanford.

Texto belíssimo e de uma sensibilidade que não se espera de um homem de negócios, dá mostras do porquê Steve Jobs marcou sua geração. Após assistir ao discurso, refleti muito sobre as palavras ditas. Ainda estão ecoando dentro de mim. Não sei por quanto tempo ecoarão e se tirarei algum proveito prático delas. Fato é que se foram relevantes para mim, creio que o sejam para todos. Assim sendo, reproduzo aqui o discurso do homem da maçã:

É preciso encontrar o que você ama"



"Estou honrado por estar aqui com vocês em sua formatura por uma das melhores universidades do mundo. Eu mesmo não concluí a faculdade. Para ser franco, jamais havia estado tão perto de uma formatura, até hoje. Pretendo lhes contar três histórias sobre a minha vida, agora. Só isso. Nada demais. Apenas três histórias.
A primeira é sobre ligar os pontos.
Eu larguei o Reed College depois de um semestre, mas continuei assistindo a algumas aulas por mais 18 meses, antes de desistir de vez. Por que eu desisti?
Tudo começou antes de eu nascer. Minha mãe biológica era jovem e não era casada; estava fazendo o doutorado, e decidiu que me ofereceria para adoção. Ela estava determinada a encontrar pais adotivos que tivessem educação superior, e por isso, quando nasci, as coisas estavam armadas de forma a que eu fosse adotado por um advogado e sua mulher. Mas eles terminaram por decidir que preferiam uma menina. Assim, meus pais, que estavam em uma lista de espera, receberam um telefonema em plena madrugada ¿"temos um menino inesperado aqui; vocês o querem?" Os dois responderam "claro que sim". Minha mãe biológica descobriu mais tarde que minha mãe adotiva não tinha diploma universitário e que meu pai nem mesmo tinha diploma de segundo grau. Por isso, se recusou a assinar o documento final de adoção durante alguns meses, e só mudou de idéia quando eles prometeram que eu faria um curso superior.
Assim, 17 anos mais tarde, foi o que fiz. Mas ingenuamente escolhi uma faculdade quase tão cara quanto Stanford, e por isso todas as economias dos meus pais, que não eram ricos, foram gastas para pagar meus estudos. Passados seis meses, eu não via valor em nada do que aprendia. Não sabia o que queria fazer da minha vida e não entendia como uma faculdade poderia me ajudar quanto a isso. E lá estava eu, gastando as economias de uma vida inteira. Por isso decidi desistir, confiando em que as coisas se ajeitariam. Admito que fiquei assustado, mas em retrospecto foi uma de minhas melhores decisões. Bastou largar o curso para que eu parasse de assistir às aulas chatas e só assistisse às que me interessavam.
Nem tudo era romântico. Eu não era aluno, e portanto não tinha quarto; dormia no chão dos quartos dos colegas; vendia garrafas vazias de refrigerante para conseguir dinheiro; e caminhava 11 quilômetros a cada noite de domingo porque um templo Hare Krishna oferecia uma refeição gratuita. Eu adorava minha vida, então. E boa parte daquilo em que tropecei seguindo minha curiosidade e intuição se provou valioso mais tarde. Vou oferecer um exemplo.
Na época, o Reed College talvez tivesse o melhor curso de caligrafia do país. Todos os cartazes e etiquetas do campus eram escritos em letra belíssima. Porque eu não tinha de assistir às aulas normais, decidi aprender caligrafia. Aprendi sobre tipos com e sem serifa, sobre as variações no espaço entre diferentes combinação de letras, sobre as características que definem a qualidade de uma tipografia. Era belo, histórico e sutilmente artístico de uma maneira inacessível à ciência. Fiquei fascinado.
Mas não havia nem esperança de aplicar aquilo em minha vida. No entanto, dez anos mais tarde, quando estávamos projetando o primeiro Macintosh, me lembrei de tudo aquilo. E o projeto do Mac incluía esse aprendizado. Foi o primeiro computador com uma bela tipografia. Sem aquele curso, o Mac não teria múltiplas fontes. E, porque o Windows era só uma cópia do Mac, talvez nenhum computador viesse a oferecê-las, sem aquele curso. É claro que conectar os pontos era impossível, na minha era de faculdade. Mas em retrospecto, dez anos mais tarde, tudo ficava bem claro.
Repito: os pontos só se conectam em retrospecto. Por isso, é preciso confiar em que estarão conectados, no futuro. É preciso confiar em algo - seu instinto, o destino, o karma. Não importa. Essa abordagem jamais me decepcionou, e mudou minha vida.
A segunda história é sobre amor e perda.
Tive sorte. Descobri o que amava bem cedo na vida. Woz e eu criamos a Apple na garagem dos meus pais quando eu tinha 20 anos. Trabalhávamos muito, e em dez anos a empresa tinha crescido de duas pessoas e uma garagem a quatro mil pessoas e US$ 2 bilhões. Havíamos lançado nossa melhor criação - o Macintosh - um ano antes, e eu mal completara 30 anos.
Foi então que terminei despedido. Como alguém pode ser despedido da empresa que criou? Bem, à medida que a empresa crescia contratamos alguém supostamente muito talentoso para dirigir a Apple comigo, e por um ano as coisas foram bem. Mas nossas visões sobre o futuro começaram a divergir, e terminamos rompendo - mas o conselho ficou com ele. Por isso, aos 30 anos, eu estava desempregado. E de modo muito público. O foco de minha vida adulta havia desaparecido, e a dor foi devastadora.
Por alguns meses, eu não sabia o que fazer. Sentia que havia desapontado a geração anterior de empresários, derrubado o bastão que havia recebido. Desculpei-me diante de pessoas como David Packard e Rob Noyce. Meu fracasso foi muito divulgado, e pensei em sair do Vale do Silício. Mas logo percebi que eu amava o que fazia. O que acontecera na Apple não mudou esse amor. Apesar da rejeição, o amor permanecia, e por isso decidi recomeçar.
Não percebi, na época, mas ser demitido da Apple foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. O peso do sucesso foi substituído pela leveza do recomeço. Isso me libertou para um dos mais criativos períodos de minha vida.
Nos cinco anos seguintes, criei duas empresas, a NeXT e a Pixar, e me apaixonei por uma pessoa maravilhosa, que veio a ser minha mulher. A Pixar criou o primeiro filme animado por computador, Toy Story, e é hoje o estúdio de animação mais bem sucedido do mundo. E, estranhamente, a Apple comprou a NeXT, eu voltei à empresa e a tecnologia desenvolvida na NeXT é o cerne do atual renascimento da Apple. E eu e Laurene temos uma família maravilhosa.
Estou certo de que nada disso teria acontecido sem a demissão. O sabor do remédio era amargo, mas creio que o paciente precisava dele. Quando a vida jogar pedras, não se deixem abalar. Estou certo de que meu amor pelo que fazia é que me manteve ativo. É preciso encontrar aquilo que vocês amam - e isso se aplica ao trabalho tanto quanto à vida afetiva. Seu trabalho terá parte importante em sua vida, e a única maneira de sentir satisfação completa é amar o que vocês fazem. Caso ainda não tenham encontrado, continuem procurando. Não se acomodem. Como é comum nos assuntos do coração, quando encontrarem, vocês saberão. Tudo vai melhorar, com o tempo. Continuem procurando. Não se acomodem.
Minha terceira história é sobre morte.
Quando eu tinha 17 anos, li uma citação que dizia algo como "se você viver cada dia como se fosse o último, um dia terá razão". Isso me impressionou, e nos 33 anos transcorridos sempre me olho no espelho pela manhã e pergunto, se hoje fosse o último dia de minha vida, eu desejaria mesmo estar fazendo o que faço? E se a resposta for "não" por muitos dias consecutivos, é preciso mudar alguma coisa.
Lembrar de que em breve estarei morto é a melhor ferramenta que encontrei para me ajudar a fazer as grandes escolhas da vida. Porque quase tudo - expectativas externas, orgulho, medo do fracasso - desaparece diante da morte, que só deixa aquilo que é importante. Lembrar de que você vai morrer é a melhor maneira que conheço de evitar armadilha de temer por aquilo que temos a perder. Não há motivo para não fazer o que dita o coração.
Cerca de um ano atrás, um exame revelou que eu tinha câncer. Uma ressonância às 7h30min mostrou claramente um tumor no meu pâncreas - e eu nem sabia o que era um pâncreas. Os médicos me disseram que era uma forma de câncer quase certamente incurável, e que minha expectativa de vida era de três a seis meses. O médico me aconselhou a ir para casa e organizar meus negócios, o que é jargão médico para "prepare-se, você vai morrer".
Significa tentar dizer aos seus filhos em alguns meses tudo que você imaginava que teria anos para lhes ensinar. Significa garantir que tudo esteja organizado para que sua família sofra o mínimo possível. Significa se despedir.
Eu passei o dia todo vivendo com aquele diagnóstico. Na mesma noite, uma biópsia permitiu a retirada de algumas células do tumor. Eu estava anestesiado, mas minha mulher, que estava lá, contou que quando os médicos viram as células ao microscópio começaram a chorar, porque se tratava de uma forma muito rara de câncer pancreático, tratável por cirurgia. Fiz a cirurgia, e agora estou bem.
Nunca havia chegado tão perto da morte, e espero que mais algumas décadas passem sem que a situação se repita. Tendo vivido a situação, posso lhes dizer o que direi com um pouco mais de certeza do que quando a morte era um conceito útil mas puramente intelectual.
Ninguém quer morrer. Mesmo as pessoas que desejam ir para o céu prefeririam não morrer para fazê-lo. Mas a morte é o destino comum a todos. Ninguém conseguiu escapar a ela. E é certo que seja assim, porque a morte talvez seja a maior invenção da vida. É o agente de mudanças da vida. Remove o velho e abre caminho para o novo. Hoje, vocês são o novo, mas com o tempo envelhecerão e serão removidos. Não quero ser dramático, mas é uma verdade.
O tempo de que vocês dispõem é limitado, e por isso não deveriam desperdiçá-lo vivendo a vida de outra pessoa. Não se deixem aprisionar por dogmas - isso significa viver sob os ditames do pensamento alheio. Não permitam que o ruído das outras vozes supere o sussurro de sua voz interior. E, acima de tudo, tenham a coragem de seguir seu coração e suas intuições, porque eles de alguma maneira já sabem o que vocês realmente desejam se tornar. Tudo mais é secundário.
Quando eu era jovem, havia uma publicação maravilhosa chamada The Whole Earth Catalog, uma das bíblias de minha geração. Foi criada por um sujeito chamado Stewart Brand, não longe daqui, em Menlo Park, e ele deu vida ao livro com um toque de poesia. Era o final dos anos 60, antes dos computadores pessoais e da editoração eletrônica, e por isso a produção era toda feita com máquinas de escrever, Polaroids e tesouras. Era como um Google em papel, 35 anos antes do Google - um projeto idealista e repleto de ferramentas e idéias magníficas.
Stewart e sua equipe publicaram diversas edições do The Whole Earth Catalog, e quando a idéia havia esgotado suas possibilidades, lançaram uma edição final. Estávamos na metade dos anos 70, e eu tinha a idade de vocês. Na quarta capa da edição final, havia uma foto de uma estrada rural em uma manhã, o tipo de estrada em que alguém gostaria de pegar carona. Abaixo da foto, estava escrito "Permaneçam famintos. Permaneçam tolos". Era a mensagem de despedida deles. Permaneçam famintos. Permaneçam tolos. Foi o que eu sempre desejei para mim mesmo. E é o que desejo a vocês em sua formatura e em seu novo começo.
Mantenham-se famintos. Mantenham-se tolos.
Muito obrigado a todos."

Fonte: site da Universidade de Stanford
Tradução: Paulo Migliacci ME

sábado, 8 de outubro de 2011

Felicidade não rende conversa


São altas horas da noite, como de costume, acesso o msn messenger e vou desperdiçar meu tempo com pessoas tão desocupadas quanto eu. Teclo com um amigo aqui, outro acolá. Como ninguém tem nada de importante a falar, meus amigos passam às perguntas de praxe: 'como tem passado?'; 'alguma novidade?'; 'E sua mãe, como está?'. Um pé no saco esse tipo de pergunta, vamos combinar, não é, nobre leitor?

Deixo o bate-papo de lado. Chego e-mail, vasculho perfis no facebook... até que um amigo entra e puxa conversa:
Meu amigo: E aí, como vai?
Eu: Tô ótimo, e vc?
Meu amigo: Ótimo? Pq?
Eu: Uai, pq tô...
Meu amigo: Algum motivo especial?
Eu: Ah, tô vivo, sem dor, namorando, no conforto do meu lar com internet e tv a cabo. Dá pra ser infeliz assim?
Meu amigo: Hum... vc tá estranho
Eu: Tô não, cara... Tá tudo bem comigo!
Meu amigo: Se vc diz... mas se quiser conversar, estou aqui. Pode contar comigo.
Eu: Ok! Agradeço...
Meu amigo: Se tiver algum problema, é só falar...
Eu: Tenho não, cara... Mas, mais uma vez, obrigado!
Meu amigo: Vc tá relamente estranho, melhor eu ir dormir...
Eu: Vai lá, amigo. Abraço...
Meu amigo: Xau!!

Meu amigo se foi. Desconectou-se. Talvez eu estivesse com muito boa autoestima para teclar com ele. Prossegui na internet. Outro amigo puxa papo:
Meu amigo: Blz?
Eu: Blz...
Meu amigo: Cara, queria msm tc com vc... sua mãe achou ruim por aquele dia?
Eu: Que dia, cara?
Meu amigo: Aquele dia em que a gente saiu.
Eu: Ahhh... ficou não. Eu liguei avisando que ia passar lá depois do cursinho.
Meu amigo: Mas qdo vc saiu já era mais de três da manhã.
Eu: E...?
Meu amigo: Ela não brigou com vc?
Eu: Não... ela tava no décimo sono já.
Meu amigo: E no outro dia?
Eu: O q q tem?
Meu amigo: Ela não falou nada? Não encheu o saco?
Eu: Nãããããooo... Minha mãe é de boa... não esquenta com essas coisas. Ela só pede pra dizer onde estou pq assim ela não se preocupa.
Meu amigo: E sua irmã?
Eu: Tá bem...
Meu amigo: Não encheu o saco?
Eu: Uai, pq ela encheria?
Meu amigo: Pq vc saiu foi no carro dela...
Eu: Sim, mas ela emprestou. Não peguei sem pedir.
Meu amigo: Msm assim... ela não falou nada?
Eu: Não, nadica de nada.
Meu amigo: hummm... Fora isso, como é que vc tá?
Eu: Tô ótimo, cara!
Meu amigo: O q aconteceu, conta aí...
Eu: Nada demais...
Meu amigo: Tá bem assim do nada?
Eu: Uai, tô namorando, não estou doente, todos de quem gosto estou bem, to em casa sem fazer nada, alimentado, descansado... só poderia estar bem, não? hehehe
Meu amigo: Vc tá estranho, cara...
Eu: Estranho, eu!?!? Pq?
Meu amigo: Sei lá... tá estranho.
Eu: Amigão, repara não, tô de saída. Abraço!
Meu amigo: Abraço!

Depois desses dois diálogos, preferi me desconectar antes que um terceiro viesse me chamar de estranho. Saí do msn messenger encucado com o porquê de acharem estranha minha alegria. Reparei que na maioria das vezes os assuntos cibernéticos se resumem lamentações e queixas contra a vida. Meu Deus, será a vida tão pesada?

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Retratação

Ontem de manhã, protestei contra a barulheira das manifestações culturais de Bom Jesus da Lapa. É fato que me senti incomodado, mas o estranho aqui sou eu. Estou na terra deles, devo respeitá-los. Como na vida nem tudo são flores, nem tudo são espinhos, falarei sobre o lado bom e lúdico do São João.

Na região Sudeste do Brasil, de onde venho, o São João se assemelha pouco com o nordestino. Por lá, comemora-se em igrejas, escolas, em eventos públicos. No interior de Minas Gerais, presenciei festas de São João com uma grandes fogueiras públicas que, próximo da meia-noite, são derrubadas, têm suas brasas espalhadas em um imenso tapete incandescente pelo qual aqueles mais crédulos caminham sobre as brasas e não se quimam.

No sertão baiano, porém, presenciei o São João particular. Por aqui até existem as festas de rua, com apresentações de cantores e grupos musicais, mas em cada casa também se faz uma festa. Em diversas casas de Bom Jesus da Lapa vi fogueiras acesas nas calçadas, ruas inteiras iluminadas, com crianças soltando bombinhas e buscapés. Há pais que vestem os filhos com trajes típicos.

A culinária é um capítulo à parte, merece tratados e mais tratados gastronômicos. É um festival de brasilidade em que nossos ingredientes mais básicos, como milho, coco e mandioca, dão origem a pratos fabulosos. Creio que minha família e eu fomos intimados a entrar pelo menos em umas cinco casas de conhecidos nossos para, pelo menos, provar um ''pratinho'' de quitutes.

Diante de tamanha recepção e de anfitriões tão generosos e amáveis como os baianos, o mínimo que posso fazer é retrar-me, neste texto, pela grosseria de minha parte que foi tecer críticas às manifestações culturais lapenses.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Deixem-me dormir!

Coisa chata essa de ficarem bisbilhotando minha vida. Quando resolvir "ir aos fatos" na última postagem, não imaginei quão desagrável seria ter minha vida exposta. Confesso que o mais irritante foi ouvir palpites. "Ah, você não deveria ter deixado a polícia..." disseram uns. "Ah, você não deveria nem ter entrado..." disseram outros.

O caso é que eu saí e, momentaneamente, vivo em Bom Jesus da Lapa, cidade do sertão baiano, às margens do Rio São Francisco. A Lapa, como se referem à cidade por aqui, é um lugar lindo. Árido, mas lindo. Existe por aqui um enorme potencial turístico. Embora milhares de pessoas acorram para a cidade anualmente - Bom Jesus da Lapa é a capital baiana da fé, segundo maior destino católico do Brasil, atrás somente da cidade de Aparecida - o lugar é mal administrado, sujo e sem infraestrutura sequer para seus moradores. O que dizer para os turístas?

Como uma cidade catolicíssima, na Lapa há devoção para tudo que é santo. Os maiores: Nossa Senhora da Soledade, São Pedro e o Bom Jesus, obviamente. Como uma cidade nordestina, na Lapa há devoção para São João Batista. É amanhã o dia do dito cujo.

Além do catolícismo, na Bahia se concentra muitos seguidores de religiões afro. Antes eu tinha um discurso politicamente correto de respeito à religião alheia. Julgava um preconceito enorme taxar a Bahia de macumbeira. Mas aqui, tomei birra das religiões citadas. Por quê? O leitor deve estar se questionando. Ocorre que aqui, meu vizinho do lado, adora um pemba. A macumba rola solta a noite toda, pelo menos uma vez ao mês. Ninguém, em um raio de quinhentos metros, consegue dormir. Eu creio que ninguém na cidade inteira consegue dormir, porque a cada cem metros há um terreiro de macumba. Os batuques vão reverberando.

Estaria eu com preconceito cristão? Resquício da Inquisição? Não, porque os católicos aqui também não ficam atrás na barulheira. O dia de São João está chegando, é amanhã, como já disse. A euforia pelo dia do santo é tanta que já há alguns dias que se vendem, e se soltam, fogos aqui e acolá. Para completar, a partir das quatro da manhã, um carro de som sai às ruas tocando uma musiquinha irritante: "João Batista é o precursor... blá, blá, blá..."

Não quero aqui, com meu texto, parecer preconceituoso ou desrespeitar de alguma maneira a crença alheia. Quero apenas deixar meu desabafo contra tais manifestações que não respeitam o sono e o descanso dos outros. Quer cultuar? Faça-o baixinho, afinal, nem João Batista, nem os orixás são surdos.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Carnaval? Carnavai... vai tarde!


Não é minha intenção escrever aqui um artigo moralista. Nunca foi o propósito deste blog, que, aliás, nem um propósito tem. O quê não sei se o torna mais ou menos nobre por isso. Que se dane! O fato é que hoje é quarta-feira de cinzas, eu sou policial militar e trabalhaei cinco noites no carnaval. Isso me expôs a todo tipo de foliões e, acredite, caro leitor, não é nada fácil. Bêbados, ninfomaníacas e loucos de todo gênero nos adoram. Alguns até me fizeram rir, outros, porém, despertaram em mim a mais profunda pena ante sua degradação moral, física e cultural.

Falar de cultura, não vou; isso é muito relativo. Mesmo convencido de que ''tchubirabiron" e ''minha mulher não deixa não'' sejam dos maiores lixos sonoros que o nordeste nos legou. Mesmo tendo a música baiana como a antimúsica brasileira, como um atentado ao bom gosto, não vou me ater a isso. É relativo, já disse. Minha preocupação aqui é com os foliões que se embebedam até não poderem mais. Jovens, na esmagadora maioria. Fico me questionando: terá sido sempre assim? A quem interessa a manutenção de uma festa, como o carnaval, nos moldes de hoje?

Sinceramente, sou a fovor de que seja abolido o feriado símbolo da brasilidade. Não consigo conceber sua manutenção. No carnaval se batem recordes de mortes nas caóticas estradas brasileiras. As ruas se tornam mictórios a céu aberto. O país pára. A televisão, único lazer [questionável] dos menos favorecidos, torna-se vitrine de umas poucas cidades, numa mobilização para vender o carnaval como o suprassumo de nossa cultura. Todos os anos, nos dias da festa quando busco notícias sérias e que verdadeiramente importem em algo, vejo nos telejornais São Paulo e Rio de Janeiro (as capitais, apenas; o restante dos dois estados é desprezado) com suas escolas de samba e suas ruas lotadas; vejo o Galo da Madrugada, no Recife; os insurportáveis trios elétricos de Salvador, que agora se difundem Brasil afora; e alguma coisa sobre alguma outra cidade. É isso.

Além do carnaval fantástico da TV, existe a mediocridade das cidades anônimas. Em minha primeira 'festa da carne' como policial,  vi o despreparo do poder público, a desorganização das festas e a luta que é para os sérios sobreviverem a tais dias. A tão propalada festa do povo, das massas, das multidões, é palco de preconceitos e segregação, retrato fiel de nossa sociedade. Há camarotes, abadás, cordas que separam foliões com algum dinehiro dos sem dinehiro algum. A única coisa em comum entre carnaval de pobre e rico é a promiscuidade sexual e a bebedeira. Nisso, ricos e pobres se igualam. Se igualam pelo que há de pior.

No curso de formação policial, me conveceram, com argumentos razoáveis, de que nós, policiais militares, emblematizamos o Estado. Somos a personificação da lei e da ordem. Somos tentáculos do poder constituído. Fazemos o estado de direito [ou não] se afirmar pela força, inclusive e cotidianamente. Por isso, e por minha condição de cidadão, tanto me preocupa o carnaval. Além da nobilíssma cidadania, preocupa-me os trinta anos de polícia que me aguardam até eu me aposentar. Será que tenho estrutura para mais vinte nove caranavais? Não sei. Sei que a imagem de uma adolescente, em coma alcoólico, trazida até mim e largada por seus ''amigos'' ao aos meus pés, no chão molhado, não sai de minha cabeça. Ao avistarem o polícia aqui, vieram em um ''toma que o filho é teu'' e se mandaram.

Agora me esforço repensando o carnaval. Sonhando com dias melhores. Com menos mortes nas rodovias. Menos brigas. Menos álcool e drogas. É o que posso fazer no momento, pensar e repensar. Que de meu pensamento brote alguma ação e que Deus me livre da desumanidade de ver uma minha semelhante caída aos meus pés e agir como se fosse algo normal.


Abaixo, deixo videos que ilustram o carnaval brasileiro:




domingo, 6 de fevereiro de 2011

Um salve pro Zeca Baleiro

Não tenho dinheiro
Pra pagar a minha yoga

Não tenho dinheiro
Pra bancar a minha droga
Eu não tenho renda
Pra descolar a merenda
Cansei de ser duro
Vou botar minh'alma à venda...

Eu não tenho grana
Pra sair com o meu broto
Eu não compro roupa
Por isso que eu ando roto
Nada vem de graça
Nem o pão, nem a cachaça
Quero ser o caçador
Ando cansado de ser caça...

domingo, 9 de janeiro de 2011

A razão de viver.


Quem foi que disse que somos imortais? Quem foi que disse que viveremos para sempre? Ninguém. Eu sei e entendo. Entendo sob a ótica da Biologia, mas a Filosofia, a ciência dos chatos e desocupados, insiste em me incomodar. Desde a mais tenra idade sabemos que um dia toda vida cessa. No primário, nas aulas de Ciências, já conceituamos friamente nossa condição: todo ser vivo nasce, cresce, reproduz-se e morre. À medida em que o tempo passa vamos nos acostumando a ver a morte sempre a ceifar um ali, outro acolá. Torna-se banal. Um dia, porém a percebemos por perto, perto demais. Desesperamo-nos!

A morte nos incomoda a todos por duas razões. A primeira, é o vazio que a perda de um ente querido deixa nos que ficam. A segunda, a certeza de que ela, a morte, nos espera a todos, não se sabendo quando.

Imagine-se certo número de homens presos e todos condenados à morte, sendo uns degolados diariamente diante dos outros e os que sobram vendo sua própria condição na de seus semelhantes e se contemplando uns aos outros com tristeza e sem esperança, à espera de sua vez. Eis a imagem da condição dos homens. (Blaise Pascal)

Ontem à noite eu tinha planos. Todo mundo espera alguma coisa de sábado à noite, como bem cantou Lulu Santos. Eu também esperava, mas não era uma notícia ruim que eu queria. Sentado num bar, prosa boa com um amigo, o celular toca. Pelo adiantado da hora e pelos rodeios de minha mãe, pude perceber que algo não estava bem. Uma prima falecera... fiquei calado, custando a crer na veracidade da notícia. Depois caí na real. A alegria e descontração deram lugar à tristeza e à raiva.

Raiva. Talvez não seja o sentimento que as pessoas sensatas esperam de mim, um cristão bem educado e ciente de que a vontade de Deus a tudo se sobrepõe. Mas era raiva o que eu sentia. As mulheres, nosso assunto até então, deram lugar a divagações sem sentido que passei a fazer com meu amigo. Uma infantilidade completa, mas como entender que haja pessoas más que morrerem ricas, felizes e velhas, bem velhas? Como entender que uma mulher boa, honesta, jovem, mãe de família, tenha sua vida interrompida numa curva da estrada?

A raiva agora passou. Deu lugar a um incômodo que não me deixa ficar alegre com nada, que me desanima da vida e que me faz repensar o sentido de tudo. Do meu trabalho. Dos meus sonhos capitalistas. Da ânsia que move os jovens. Por quê? Para quê? Até quando? São perguntas sem respostas. Para uma - apenas uma- talvez eu encontre solução. Talvez seja ela o segredo, o grande enigma. Talvez seja ela o motor dos sonhos, das empreitadas. Para quem?

Esta é a única razão que econtrei. Para quem eu faço? Para quem eu sou? Isso me fez lembrar de uma constatação do professor Gretz. Tem gente que compra o que não precisa, com o dinheiro que não tem, para mostrar a quem não gosta. Grande verdade... aqui estamos muitos de nós confirmando a tese. Desperdiçando vida com quem não merece. Ausentando-nos de quem amamos. Alheios. Por quê? Para quê? Até quando? Família,  amigos, pessoas que amamos... eis a razão de viver. Quando se partem, deixam dor e vazio sem medidas. Mas a certeza do amor vivido supera todo e qualquer sentimento ruim, pois o amor nunca morre. Quem se vai permanece vivo no amor.

Amemos uns aos outros. Desprezemos a morte. Ela virá de um jeito ou de outro, como visita indesejada, não avisa a hora que chega. Sigamos o conselho do sábio. Desfruta da vida com a mulher que amas, durante todos os dias da fugitiva e vã existência que Deus te concede debaixo do sol. Esta é tua parte na vida, o prêmio do labor a que te entregas debaixo do sol. Assim falou Salomão.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Só de sacanagem - Elisa Lucinda

Há um texto da Elisa Lucinda que deveria ser lido e refletido por todos os brasileiros, por isso, divulgo-o:


Meu coração está aos pulos! Quantas vezes minha esperança será posta a prova? Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar: malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro. Do meu dinheiro, do nosso dinheiro que reservamos duramente pra educar os meninos mais pobres que nós, pra cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais. Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta a prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? É certo que tempos difíceis existem pra aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz. Meu coração tá no escuro. A luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e todos os justos que os precederam. 'Não roubarás!', 'Devolva o lápis do coleguinha', 'Esse apontador não é seu, minha filha'. Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar! Até habeas corpus preventiva, coisa da qual nunca tinha visto falar, sobre o qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará!
Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear! Mais honesta ainda eu vou ficar! Só de sacanagem! Dirão: 'Deixe de ser boba! Desde Cabral que aqui todo mundo rouba! E eu vou dizer: 'Não importa! Será esse o meu carnaval! Vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos.' Vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo, a gente consegue ser livre, ético e o escambal. Dirão: 'É inútil! Todo mundo aqui é corrupto desde o primeiro homem que veio de Portugal!' E eu direi: 'Não admito! Minha esperança é imortal, ouviram? Imortal!' Sei que não dá pra mudar o começo, mas, se a gente quizer, vai dar pra mudar o final!

Abaixo, segue um video do poema declamado pela cantora Ana Carolina:

O último banho do ano.


É comum que passagens de ano sejam marcantes. A mim, sempre me marcam. Trago na memória natais mágicos da infância; santas ceias em que tinha a família à mesa, em paz, feliz; réveillons de há séculos, os quais passei fazendo a contagem regressiva num churrasco de parentes, assintindo ao show da virada numa noite de muita chuva, ou mesmo aqueles mais remotos, em que passei dormindo, como convém às crianças, e que no dia seguinte acordava achando sensasional a ideia de que poucas horas atrás era outro ano.

Este réveillon, porém, mascou-me de outro modo. As circunstâncias em si já o colocariam no rol dos mais memoráveis - moro longe de casa, da família, dos amigos... poderia ter sido triste, como não foi, poderia ter sido de muito trabalho, como sucedeu a outros políciais; mas foi de muita festa e animação.

Por ter descansado no natal, fiquei entre os escalados a trabalharem no ano novo, quando confiro a escala, a boa surpresa: estaria livre na noite da virada. Combinei com alguns amigos de irmos a um show promovido na cidade. Fui contente para casa me arrumar. A noite estava meio fria, devido à chuva que não deu trégua. Era aquela garoinha, velha conhecida do mês de dezembro. Entrei embaixo do chuveiro, água morna e revigorante. De repente... um estouro!!! O chuveiro começou a vazar água pela parte de cima... água gelada!!!

Saio eu, nu, apartamento afora gritando por alguém que desligasse a chave elétrica, antes que fechasse um curto. Pior que as inevitáveis chacotas, que vieram depois, foi ter de terminar o banho na água gelada. Foi verdadeiramente inesquecível a noite de 31 de dezembro de 2010.

Banho tomado, calça jeans, all star, camisa branca para atrair paz, amigos ''bebemorando''...

sábado, 1 de janeiro de 2011

Dois mil e onze cheogu e nada mudou...

Ano novo chegou e cá estou eu, rachando de tonto. São quatro e vinte da manhã. Daqui a pouco pego no batente. Policiamento à pé na praça. Chamada às cinco e meia. Serviço até meio dia. Enquanto escrevo, para não cair no sono, meu amigo de Polícia dorme num colchão aqui perto, mais bêbado que eu, tem a sorte de não trabalhar amanhã cedo. Vou me virando aqui na internet para não cair sono e não perder a hora do trabalho. Eita vida difícil, Deus-do-Céu!!!