terça-feira, 18 de maio de 2010

Ainda há salvação.

Segunda-feira é um bom dia para se comprar verduras, frutas e legumes. Assim crê minha mãe, do alto de sua experiência de mulher vivida e atenta. Segunda-feira também é o dia em que as crianças voltam à escola, após um sábado e domingo de muito ócio e energia acumulada. Vivo em uma cidade relativamente grande. Betim é a segunda economia de Minas Gerais e a ela acorreu uma horda de miseráveis, caipiras, nordestinos e pobres de toda maneira. Aqui há emprego.


Com uma arregadação invejável, maior que de alguns estados do norte, a administração municipal se preocupa em atrair mais empresas para gerar mais arrecadação, sem saber o que fazer com as pessoas que vêm atrás dos empregos. A cidade cresceu desordenadamente, o transporte é caótico e não há opções de lazer para a população. O que se tem por aqui mais perto de ser chamado de lazer é uma lagoa que abastece a cidade e aonde algumas pessoas vão morrer afogadas no verão ou são desovadas por traficantes. Há também uma galeria de lojas a qual ousam chamar de shopping e uma avenida por onde as pessoas caminham ou praticam o cooper. O problema da avenida-point é que passa por uma obra que nunca acaba, obra que deixa as pista de caminhadas toda irregular e esburacada, obra que faz um simples exercício físico paracer um passeio pelo deserto em meio a uma tempestade de areia e pó. Enfim, Betim é ótima.


Agora que meu leitor tem noção de como é a maravilhosa cidade em que vivo, prossigo com meu relato. Era segunda-feira e fui com minha mãe ao sacolão. O dia estava acabando quando voltávamos para a casa. As crianças também voltavam para casa, após uma tarde desgastante de aulas (desgastante para os professore, obviamente). Vínhamos, minha mãe e eu, pela Avenida Porto Alegre, (uma das muitas avenidas de Betim que possui um curso d'água canalizado no meio de suas duas largas pistas) quando avistamos uma aglomeração de crianças numa passarela de pedestres que há sobre o córrego do meio da avenida. Gritavam, apontavam para dentro do canal, debatiam, gesticulavam. Minha curiosidade foi ao grau máximo, haveria ali um corpo? Um criança caira lá dentro? Algum louco decidira se banhar naquela água? Fui ver de que se tratava.


Chegando à passarela pude compreender o sucedido. Ocorre que alguém jogara no canal um saco com um cachorro dentro. Os meninas discutiam como resgatá-lo. Estavam indignados com a barbaridade que fizeram ao cachorro. Supunham que o dono do cão o tinha por morto e o descartara ali. Queriam, porque queriam, entrar no canal e trazer para fora o infeliz canino. Continuei meu caminho, processando o quê vi. Quando já estávamos há uns duzentos metros da cena do crime, ouço gritos de júbilo, salvas... resgataram o cãozinho. Quedei-me emocionado. Refleti muito sobre o que vira.




Aquelas crianças e seu ato heróico fizeram-me lembrar de outras crianças de uma outra Betim que conheci. Quando eu cá cheguei o quadro era outro, os pobres daqui eram ainda mais pobres as avenidas sem asfalto e as crianças mais cruéis. Lembro-me de colegas que cometeram verdadeiras atrocidades contra animais e contra outra crianças. Certa vez encontramos, num lote vago, um ninho de gatos. Uma gatinha vira-latas criara meia dúzia e bichanos adoráveis. Minha vontade instantânea foi de levá-los comigo. Corri para casa para pedir à minha mãe permissão de ficar com eles. Ela não queria, mas disse que poderíamos cuidar da gata e dos filhotes até encontrarmos donos para todos. Quando voltei à rua, ao lote vago, tive ganas de matar meus colegas. Eles haviam jogado gatinho por gatinho contra um muro. Estavam todos mortos.


Talvez essa tenha sido essa a primeira vez em que tive ideia de quão cruéis podem ser as pessoas. Daí para frente, decepções foram se acumulando e hoje não me surpreendo facilmente. Minhas surpresas agora advêm da bondade e compaixão de algumas pessoas. Acostumei-me, de tal maneira, a esperar sempre o pior das pessoas que, quando vejo um ato de clemência, como o de segunda-feira, minhas esperanças se renovam, vejo que ainda há salvação e que ela virá das crianças. Invistamos, pois, nelas!

3 comentários:

  1. 'Never expect much from people.' Mas sim, ainda há salvação... ou pelo menos assim espero. Quanto ao episódio dos gatos, não é algo assim tão atípico. Os gatos sempre são alvos de brincadeiras cruéis e preconceitos. Mas como você mesmo me disse: 'gatos são animais de pessoas INTELIGENTES'. Mentes pequenas não os compreendem, porque não sabem amar sem possuir. E "nada é mais incômodo para a arrogância humana que o silencioso bastar-se dos gatos."

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  2. Ora, ora, temos um comentário... Fico feliz que vc tenha lido meu texto, Ana. Agora a pouco, fazendo mais uma postagem vi seu comentário e o reli: preciso revisá-lo!! rsrsrs
    Cotém erros crassos... Mas com relação aos gatos, despertam em nós (humanos) um fascínio sem medida e isso lhes dá nossa admiração ou nossa incompreensão.

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  3. Ola meu caro...gostaria de saber se a foto do seu blog, é da sua historia ou se vc assim como eu a conseguiu na internet..estou procurando os meninos da cena em que aparecen salvando esse cachorrinho branco, comecei uma campanha para que essas crianças virem noticia, uma vez que a TV só gosta de mostra-las quando estao drogadas, roubando ou sendo mortas...aguardo sua resposta. Abraços

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