quinta-feira, 20 de maio de 2010

Que comecem os jogos!


Na antiguidade, para diminuir a insatisfação popular contra os governantes, o Imperio Romano mantinha a política do panem et circenses. Basicamente, a plebe se reunia em estádios para assistirem homens, os gladiadores, lutarem até a morte. O imperador, de seu camarote, era que decidia quem viveria e quem morreria. Um polegar apontado para cima indicava que a vida desgraçada do gladiador derrotado seria poupada. Um polegar apontado para baixo indicava que o perdedor morreria. Sabiamente, o imperador fazia aquilo por que clamava a plateia. De barriga cheia e entretida, a gentalha voltava para sua vida insípida. Mais ou menos como faz hoje o povão brasileiro diante do futebol.

Mesmo pessoas que não são fanáticas por futebol e que não são tangidas junto com a massa, necessitam de subterfúgios como o "pão e circo" romanos. Eu, no exato momento em que escrevo este texto, necessito de algum paliativo para diminuir minha insatisfação. Tal qual a plebe romana, que necessitava de espetáculos sangrentos para se esquecer de sua vida deplorável, eu, e a espécie humana, em geral, necessitamos diminuir nossos descontentamentos. Necessitamos paliativos vários.

A escolha que fiz por esse substantivo foi pensada. Paliativo vem do verbo paliar, que segundo o Dicionário Aurélio quer dizer, entre outras coisas, disfarçar, dissimular, encobrir; tornar aparentemente menos duro, menos desagradável. Paliar é uma necessidade humana, por sua condição efêmera e de incertezas. Não sabemos de onde viemos, nem para onde vamos (se é que vamos a algum lugar depois deste). Para não pensar em tais questões existenciais, nos cercamos de paliativos. Todo esse paliar, porém, não é capaz de nos blindar de tais questões e, num belo dia, nos pegamos angustiados, tristes, cabisbaixos, pensativos, soturnos, macambúzios, sorumbáticos. Passamos a pensar na morte da bezerra.

As épocas que me levam à melancolia são as datas comemorativas. Natal, ano novo e aniversários, principalmente o meu. E qual não é a coincidência? Hoje é vinte de maio, meu aniversário. Eis-me aqui com toda a angústia possível, deconrrente desta data. São três da manhã, o dia mal começou e a insatisfação, parecida com aquela da plebe romana, está instaurada. Necessito da proclamação do augusto césar: que comecem os jogos! Após esta ordem o povão ganhava pão (a rima nem era intencional, mas deixo-a), pessoas, literalmente, se digladiavam, e os problemas pareciam se acabar para a plebe.

Em aniversários, a raça humana se cercou de paliativos muito inteligentes. As pessoas se telefonam como se realmente se interessassem umas pelas outras. Fazem festas, que é uma boa desculpa para comerem todo tipo de comida indigesta, calórica e cancerígena. Compram presentes como se realmente quisessem dar algo ao aniversariante. Interresante notar que somos livres para nos presentearmos o ano inteiro, mas só o fazemos em datas específicas. Depois da internet então, aí que a hipocrisia, digo, o uso de paliativos, descambou de vez. Hoje, basta um simples control+C/control+V e o teatro está encenado.

Há pessoas que, verdadeiramente, gostam de aniversários e dos paliativos que deles decorrem. Eu também já gostei, um dia, lá atrás, na infância. Mas o tempo passou, a ingenuidade se foi e a angústia aumentou. Preciso me dar agora aos paliativos do mundo adulto, pois sei que há.


Em mais um golpe de sabedoria da espécie humana, inventou-se o trabalho e as cidades. O primeiro nos consome, no mínimo oito horas por dia. As segundas nos oferecem carnificinas, acidentes de trânsito, engarrafamentos, violência e um sem número de questionáveis opções de lazer que nos impedem de pensar e, consequentemente, nos angustiar. Talvez um bom presente que posso me dar de aniversário seja um passeio de ônibus por Belo Horizonte, às seis da tarde de amanhã, uma quinta-feira feroz. Pensando bem, melhor é eu não ir. Não seria justo os pobres diabos, que lotarão os coletivos amanhã, terem de disputar comigo os centímetros quadrados mais concorridos da Cidade Jardim. Há quem diga que o metro quadrado mais caro de Beagá está na Savassi ou no alto da Afonso Pena. Eu digo que não. O metro quadrado mais caro de Minas Gerais está dentro dos ônibus que fazem o transporte público, por ele se paga todos os dias. Tem oferta pequena e procura altíssima.

Descartado o passeio pela capital mineira na hora do rush, e considerada minha situação de desemprego, me resta acorrer ao último e mais sublime subterfúgio de que dispõe o homem: o amor. Como é sabido por todos, o amor nos blinda contra qualquer situação adversa, ou como se diz aqui em Minas, com ele, não tem tempo ruim. Está decidido o que quero de aniversário, o melhor dos paliativos. Como escreveu Cazuza, o poeta exagerado:"eu quero a sorte de um amor tranqüilo, com sabor de fruta mordida". E que comecem os jogos!

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