sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Resenha do artigo “As mulheres e a filosofia”, de Alfredo Culleton, contido no livro As mulheres e a filosofia, organizado por Márcia Menezes Tiburi, Marli Magali de Eggert. Rio Grande do Sul. Editora Unisinos.



Nesse artigo, Alfredo Culleton analisa a participação da mulher na filosofia da Idade Média. O autor começa por criticar a falta de estudos sobre o período medieval, com seus mil anos de história, ao qual é dedicado, nos manuais de filosofia, tantas páginas quantas ao Renascimento, que durou duzentos anos.


Uma importante observação que o autor faz é sobre as adjetivações análogas que as mulheres e a Idade Média recebem do senso comum, como sendo regidas por princípios não-universalizáveis, como a religião, a magia ou a bruxaria. Preconceitos que se desfazem quando se estuda esses universos, medieval e feminino, que é a proposta do artigo.


Culleton, entretanto, dá vários exemplos que contrariam o pensamento preconceituoso sobre as mulheres na Idade Média. Heloísa e Abelardo é um deles. A incrível e surpreendente história desses dois amantes ocorreu no período medieval, e apesar de ter sido Heloísa, como define Culleton, muito mais brilhante e íntegra do que o seu amante Abelardo, não foi assim considerada em sua época, sendo Abelardo lembrado até hoje, por sua lógica. Com esse exemplo podemos entender como a participação do feminino era tida como insignificante.


O autor lembra também dos questionamentos sobre o prazer sexual e a anatomia feminina, nesse período. Os orgãos sexuais humanos eram analisados e comparados como forma de poder. Culleton cita Claude Tomasset, que trata desse tema, lembrando de que Aristóteles e Galeno tinham idéias semelhantes sobre as genitálias masculina e feminina, eram inversas. Sendo a proposta anunciada de que o instrumento sexual feminino seria a matrix, criada à semelhança do instrumento sexual masculino. Um desses instumentos é acabado e voltado para o exterior, vão dizer eles; o outro é diminuído e retido no interior, constituindo de certa maneira o inverso do instrumento viril. Essa ideia, que hoje pode soar como absurda, era uma das maneiras de se justificar a superioridade do sexo masculino.


O prazer feminino, segundo Culleton, era na Idade Média um mistério que só os indivíduos desse sexo podiam entender. O fato da mulher possuir em sua anatomia o clitóris, e esse não fazer parte do processo reprodutor, evidenciou um paradigma teológico. Tal membro, não possuia um nome, mas em algumas situaçãoes, quando necessário denominá-lo, era usado um termo árabe. Esse fator incomodava muito os homens, porque, graças ao clitóris, o prazer feminino é um mistério, um mito, uma arte que deixa as mulheres solidárias e cúmplices de um segredo que se transmite de mulher para mulher e que os homens jaqmais conheceram.


Culleton chama a atenção para o fato de não constar nos manuais de filosofia um pensamento claro a respeito da existencia humana; pois, para ele, se houvesse essa preocupação, tanto a idade média quanto as mulheres teriam mais espaço. O autor menciona autores como Alain de Libera que criticaram o pensamento medieval e seus filósofos, como, por exemplo, os ingleses Duns Escotus e Ockham que mais do que pelo argumento, pela zombaria, foram desqualificados; e Russell, para quem a Idade Média era estéril, devendo morrer pelo riso ou pela cólera.


Alfredo Culleton encerra suas observações da participação feminina no período medieval mostrando que houve uma tentativa de reconhecimento da igualdade de gênero, quando, por exemplo, no século XI, o sacramento do matrimônio é instituído como fruto do consentimento mútuo, mesmo sem a exigência de uma validação dada pelo clero, que só passou a ser condição a partir do século XVI. Culleton também lembra a participação da mulher no diaconato e em outros cargos eclesiásticos.


Entretanto, para o autor, o ponto crucial é que na Idade Média se pensa de uma maneira diferente à da lógica ou da razão-cálculo, inaugurada por Descartes (...) na Idade Média, a questão seria muito mais a de um pensamento que podemos chamar de ANALÓGICO.


Alfredo Culleton defende o pensamento analógico, do ponto de vista da filosofia, como tão racional e idôneo quanto a razão-cálculo moderna, mas com suas peculiaridades, como a de ser multifacetado, reticular e hipertextual. Daí a importância da imagem, dos símbolos, da intenção.


Culleton cita o esforço de autores contemporâneos para resgatar elementos da obra de pensadores pré-modernos e defende que valorizá-los não é resgatar o quanto de moderno existe neles, e sim ver o quanto de original existe na sua pretensão de entender o sofrimento, a dor, a loucura, o poder, a culpa e o prazer. É reconecer seu modo próprio de dar sentido. E encerra sustentando que o reconhecimento da mulher no período medieval é o reconhecimento da própria mulher.

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