quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Pedalando vou...


Se Roberto e Erasmo são amantes à moda antiga, eu sou um policial à moda antiga. Ocorre que os militares mais antigos dizem que todo homem que antrava para a PM, antigamente, comprava para si um rádio e uma bicicleta. Hoje, os sonhos de consumo são outros e o que tem feito a cabeça dos recrutas é o vislumbre de comprarem um carro e um notebook. Estou na contramão da tropa.

Onde moro, além de mim, vivem outros três soldados de segunda classe. Dois compraram motos, o outro, um carro novinho. E o Benfica? Mandou vir de Betim um dos meios de transporte mais recomendáveis que há. Que não polui. Que contribui para a saúde de seu usuário. Que é barato. Ambientalmente viável. Que quase não ocupa espaço e que não requer a burocracia do detran para ser habilitado. Estou falando da velha e boa bicicleta, como já supõe o nobre leitor.

Obviamente, a magrela tem seu pontos negativos, como a inviabilidade do seu uso em dias de chuva, por exemplo. Mas é um meio de transporte fabuloso, que dá ao ciclista vigor e mobilidade no trânsito caótico das grandes cidades, em que pese o fato de eu estar morando numa cidade onde há mais cães de rua que carros. 

Seja em Bom Despacho, seja em Hong Kong, a engenhoca de duas rodas tem seu valor e deve ser promovida munda afora, como vem ocorrendo em lugares mais avançados, digamos assim. Por aqui, ainda há quem me ridicularize e me insite a contrair um fabuloso financiamento bancário que me possibilitará sair por aí queimando gasolina, dando rolezinho. Há quem me compare aos soldados de outros tempos, aqueles que sonhavam com uma bicicleta. Dizem que não pertenço a este tempo. Prefiro entender como elogio, assim não me estresso e sigo pedalando.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A república se calou...


Nessa minha nova vida morando em república, diversas vezes quis que meus colegas de casa desaparecessem, que eu pudesse ficar só com meus botões, que eu pudesse pensar na vida. Hoje minha vontade se concretizou e me fez lembrar o 'slogan' de um filme de terror da minha infância. Do filme, não me lembro, mas o slogan era "cuidado com o quê você deseja".

Desde que me mudei para a nova cidade, tenho tido uma rotina conturbada. Muito estudo, muito trabalho e muita gente sempre ao redor. Normalmente, nos fins de semana em que folguei, voltei à minha cidade, neste, porém, fiquei em casa e meus companheiros de república se mandaram para Beagá. A casa, que sempre achei que deveria ser maior, ficou enorme de uma hora para a outra. O tempo, que sempre passou muito rápido, se arrasta lentamente. Acho que vou endoidecer.

Convidei um amigo para irmos a um bar. Seria ótimo sairmos, vermos gente, principalmente as beldades bondespachenses, com sorte, eu acabaria me desencalhando, mas meu amigo vai trabalhar e eu não me animo a me sentar sozinho num bar. Seria o fundo do poço. Letra de Reginaldo Rossi.

Nesse caso, melhor mesmo é ficar em casa. Assistir a um bom filme, documentário, programa de tevê... minha república tem sky!! Ohh, não... o decodificador está com defeito. Venho para a internet, vício e salvação dos nerds, solteirões, solitários e esquisitos de todo gênero. O relógio continua teimando em parar. O jeito é ir para a cama mais cedo e que venha logo Morfeu.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Saudades...


Ah, a saudade...! Poetas atormentados por ela nos legaram grandes versos. Amantes cometeram loucuras em seu nome. Almas atormentadas deram cabo à própria vida. Corações definharam. Há quem diga que saudade é uma palavra que só existe na língua potuguesa, há quem diga que não. Debates linguísticos à parte, o certo é que o sentimento da ausência fere corações e mentes de todas as raças, idiomas, lugares e épocas. Comigo não é diferente, também sou humano. Também sinto saudades, assim mesmo, no plural. Muitas.

Às vezes, me aperta o peito a falta de coisas que ainda não vivi e de lugares que não conheci. Uma saudade ao avesso, do futuro, ou do infuturo, quem sabe? De coisas que me serão negadas em minha passagem pela esfera azul. Uma saudade estranha, mas não menos cruel.

Outra saudade que sinto é a do presente. Saudade paradoxal. Reconhecimento da plenitude de certos momentos. Acho que são os momentos eternos enquanto duram, como o amor que narrou Vinícius. Hoje, porém, me abateu a saudade clássica, a saudade de alguém. Saudade nobre. Saudade de mãe. 
 
Nesse tempo em que estou longe de casa, experimentei a crueldade do mundo, a indiferença, a solidão, o medo. Deu vontade de voltar a ser menino. De chamar por minha mãe. Hoje acordei querendo colo, mas tive de me fazer duro, encarar meus algozes e suportar mais um dia. Ao final, na volta para casa, vontade de comer a janta que a mãe faz, ouvir uns conselhos e cochilar ouvindo sua voz. Liguei. A Bahia é longe  e as operadoras de telefonia inoperantes.

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Ouço um samba. Vontade de gritar. Desabafar. Ir-me embora. Escrevo. O samba continua... a saudade também.


Mas este mundo é feito de maldade e ilusão
Ah, se eu escutasse hoje eu não sofria
Ah, esta saudade dentro do meu peito
Ah, se ter saudade é ter algum defeito
Eu pelo menos mereço o direito
De ter alguém com quem eu possa me confessar
Ponha-se no meu lugar
E veja como sofre um homem infeliz
Que teve que desabafar
Dizendo a todo mundo o que ninguém diz
Veja que situa...ção
E veja como sofre um pobre coração
Pobre de quem acredita
Na glória e no dinheiro para ser feliz.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Síndrome da raposa.

Minha última postagem - um trecho do livro "O Pequeno Príncipe" - é uma das mais belas passagens que, na minha opinião, há na literatura. Aqui quero comentar o prazer da raposa às quintas-feiras.

Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias!

Hoje experimentei sensação idêntica. Às quartas-feiras, no quartel de Bom Despacho, da Polícia Militar de Minas Gerais, todo pessoal da administração e alunos da Companhia de Ensino e Treinamento, onde estudo, são dispensados à hora do almoço. Têm a tarde livre para cuidarem de assuntos particulares, irem ao banco e afins. Tudo isso ocorre em tese, visto que quase sempre os alunos da Companhia são empenhados em serviços internos de limpeza e policiamento da vila militar.

Desta vez, porém, foi diferente. Deram-nos uma tarde inteirinha de liberdade e eu pude perceber porque tantos lutaram e morreram por ela. A liberdade, quanto encontrada, faz das coisas mais banais momentos únicos de êxtase e transe. Assim aconteceu comigo.

Saí do quartel às 13:00 horas, sob o escaldante Sol Bondespachense. Em casa, comi sofregamente, tomei um banho frio, revigorante, e fui às ruas. Fiz a visita ao dentista, que a tempos posterguei. Conversei com conhecidos que encontrei. Visitei o comércio... Quis intoxicar-me com todas as delícias que vi pela frente. Comprei chocolate. Comi pastel de queijo e bebi coca-cola. Tomei sorvete. Empanturrei-me!

Na volta para casa fui tomado pela melancolia dos poetas. Pensei muito na morte da bezerra. Senti-me como a raposa Saint-Exupery. Senti falta dos ritos, daquilo que faz um dia diferente dos outros. Quisera eu que todas as quartas-feiras fossem como a de hoje: bateção de pernas durante a tarde e navegação na internet para arrematando o dia.

A Raposa e o Pequeno Príncipe.


   
Fragmento de “O Pequeno Príncipe”,
de Saint Exupery





(...)

E foi então que apareceu a raposa:

- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho, que se voltou mas não viu nada.
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira.
- Quem és tu? - perguntou o principezinho. Tu és bem bonita...
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
- Ah! desculpa, disse o principezinho.

Após uma reflexão, acrescentou:

- Que quer dizer “cativar”?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho. Que quer dizer “cativar”?
- Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas?
- Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer “cativar”?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa “criar laços...”
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
- Começo a compreender, disse o principezinho. Existe uma flor... eu creio que ela me cativou...
- É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra...
- Oh! não foi na Terra, disse o principezinho.

A raposa pareceu intrigada:

- Num outro planeta?
- Sim.
- Há caçadores nesse planeta?
- Não.
- Que bom! E galinhas?
- Também não.
- Nada é perfeito, suspirou a raposa.

Mas a raposa voltou à sua idéia.

- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa nenhuma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:

- Por favor... cativa-me! disse ela.
- Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa nenhuma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
- Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.
- É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto...

No dia seguinte o principezinho voltou.

- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde às três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estaria inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos.
- Que é um rito? perguntou o principezinho.
- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias!

Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:

- Ah! Eu vou chorar.
- A culpa é tua, disse o principezinho, eu não te queria fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...
- Quis, disse a raposa.
- Mas tu vais chorar! disse o principezinho.
- Vou, disse a raposa.
- Então, não sais lucrando nada.
- Eu lucro, disse a raposa, por causa da cor do trigo.