domingo, 22 de agosto de 2010

E a criatividade, cadê?


Houve um tempo em que minha mente fervia e as palavras eram constantes companhias. Um tempo em que eu pensava, e falava, e escrevia, e lia, e escrevia, e lia. Nesse tempo eu era livre. Não possuia as ambições homicidas. Eu não queria dinheiro, segurança, tampouco futuro. O presente me bastava. Eu me bastava.

De minha turma eu era o amigo criativo e falante, sonhador e doido. Eu queria mudar o mundo. Rir do mundo, não levá-lo à sério. Eu conversava com Raul Seixas, discordava dos santos, ria dos adultos e não me sentia roubado quando me frustrava. Um dia, porém, acordei de acordo, concordando com o sistema. Fui buscar uma profissão, um emprego, dinheiro e uma namorada. Deixei os sonhos e passei às metas, planos e estratégias. Me senti o maior perdedor quando algo deu errado.

Acusei algumas pessoas e condenei outras. Fiz amizades por conveniência. Medi o valor dos outros e desprezei os menos cotados. Busquei reconhecimento. Parei de perder tempo escrevendo ou lendo livros. Gastei tempo com e-mail's, planílhas, gráficos, trabalhos. Nas horas vagas me consumi na internet para ter assunto. Ver os videos que todos viam, abrir uma conta no site de relacionamento da moda e seguir Ashton Kutcher no Twitter.

Hoje tenho diploma e sou concursado do Estado. Se eu não pisar na bola, me aposento daqui a trinta anos. Terei carro e casa própria, filhos e esposa. Minha mãe ou minha avó, talvez diriam amém para isso. Posso ouvi-las dizer: "meu filho, que Deus o abençôe e que tudo isso aconteça, e que Ele dê a você muitos anos de vida para colher os frutos de seu trabalho". Não desprezo as sabedoria dos que já viveram mais que eu, mas agora, no auge de minha juventude, aos meus vinte e poucos anos, essa ideia não me seduz.

Para mim, tudo isso não passa do velho ouro de tolo que já cantou Raul. Eu tenho uma porção de coisas grandes para conquistar, eu não posso ficar aqui parado. Não posso esperar que trinta anos se passem para eu poder já não fazer o que pede meu coração. Dentro de mim habita a urgência da juventude e a prudência da velhice, a suma: conflito.

Passar trinta anos acatando ordens? Servindo? Proibido de pensar? Ou abraçar o incerto e correr todos os riscos? Sou mineiro, seguirei o caminho da previdência. As montanhas que me cercam são deveras altas para que eu as transponha. As montanhas estão em mim. Comigo. Sou parte delas. Sou do granito da Ibituruna, do ferro de Itabira, do ouro de Vila Rica.

Meu mar de possibilidades, de sonhos, está logo ali, mas ali em Minas se mede em léguas. Eu fico. Me calo. Só fala em mim as vozes antigas. Ecoam cá comigo, agora. "Seu lugar é aqui. Arrume uma mulher boa, compre uma terra, não se envolva com nada de errado e se aposente na Polícia, como fez seu avô. Olhe ali, a Pedra Boneca, ela só tem aqueles desenhos, aquele lodo e aquelas árvores porque nunca saiu dali. Pedra que muito rola não cria lodo": ouço meu tio Hélio dizer.


Bendito Sistema.


Há exatamente uma semana que a uma hora desta eu voltava para casa com a cabeça pesada e meio desiludido com o sistema. Ocorre que domingo passado participei de um processo seletivo do cão. Deram-me para responder uma prova de quarenta questões que abrangiam Geografia, História, Protuguês, Literatura, Matemática, Direito, Informática e Legislação. Como bom guerreiro que sou, encarei firmemente a prova e dei o melhor do meu intelecto, que, ao que parece, está muito aquém do exigido na prova.

Saí da sala de prova mais cansado do que se tivesse corrido uma maratona. Me sentindo com Q.I. de ameba, o ser mais burro da face da Terra. Não bastasse a prova extenuante, ainda tive que suportar aqueles concurseiros insuportáveis que ficam debatendo o exame e nos questionando acerca das questões. Dormi o resto do domingo. Na segunda de manhã vi que sobrevivera e que tudo estava nos eixos.

Passados alguns dias, dois ou três, é liberado o gararito que confirmou minha burrice: acertei vinte, das quarenta questões. Conformei-me com o episódio, não com o sistema de avaliação dos concursos públicos, escolas, faculdades e afins. Sei que não posso oferecer nada melhor ao que se tem hoje, mas sei também que o modo como as pessoas são avaliadas, medidas, pesadas, mensuradas, não é o mais correto.

As provas em geral nos avaliam no tempo e no espaço, tempo e espaço esses muito curtos para se dar um veredicto. Somos seres extremamente complexos. Imaginem se as centenas e centenas de livros que li, de filmes que vi, de aulas a que assisti e de pessoas com as quais conversei - que fazem parte da receita de que sou feito - podem ser avaliadas num domingo em que acordei de uma noite mal dormida, com frio e saudade no peito. Não! Não tinham o Tarcísio em sua plenitude. Não puderam avaliá-lo.

Talvez meu caro leitor possa interpretar meu texto-desabafo como um lamento de perdedor, de concurseiro frustrado. É um direito julgar como queira, uma vez que faço público meu discurso, entretando, é preciso reiterar, o Tarcísio que vos escreve não é o Tarcísio em sua plenitude. Talvez eu nunca o seja em nenhum de meus textos, de minhas falas... O sistema não me o permitiria. Ele é cruel. Desumano. Fazer o quê? Corfememo-nos a ele, pois é quem nos fornece a internet, o maior invento do gênio humano.

Vida longa à rede mundial de computadores!!!

sábado, 14 de agosto de 2010

Espumas ao vento.


Não ser leviano com os sentimentos alheios: talvez seja esse o princípio que eu mais preze nos relacionamentos. Relacionamentos são contratos, tácitos ou formais - vide casamento civil - que as pessoas firmam entre si. Mormente, nesses contratos, não se leva em consideração bens, valores ou objetos (pelo menos é no que eu quero continuar acreditando). O que se partilha nesses contratos são as próprias pessoas. Num relacionamento nos comprometemos a dedicar à outra pessoa nosso tempo, nossas pessoas e até mesmo nossos pensamentos. Mas sempre algo dá errado. O contrato é desfeito e alguém sai machucado.

Pelo meu princípio da não leviandade com os sentimentos alheios, a honestidade e franqueza são fatores inalienáveis e inabdicáveis. Não se pode abrir mão delas. São elas que procuro sempre levar comigo nos meus relacionamentos. O problema é que, de um modo geral, as pessoas preferem ser iludidas, preferem que mintamos para elas.

Mais uma vez tenho um relacionamento desfeito por ser quem eu sou, por falar o que eu penso e por não mentir. Eu poderia ter dito coisas bonitas a ela, inverdades, frases prontas... não o fiz e a perdi. Ela foi leviana com meus sentimentos e com minha honestidade. Dessa vez, porém, saio desse relacionamento sem aquela sensação ruim da perda. Sem frustrações ou insegurança. Com o fim, uma gama enorme de possibilidades se descortinou à minha frente. Fronteiras se alargaram e o mundo me parece maior agora.

O cancioneiro brasileiro, repleto de dores de amor, nos diz que dor de amor quando não passa é porque o amor valeu. Assim sendo, concluo que não foi amor. Talvez ela achasse que fosse. Eu nunca disse. Não fui leviano. Posso dormir em paz e sonhar, talvez com um novo amor.