terça-feira, 25 de maio de 2010

Sete dias...

Quem já assitiu ao filme de terror "O chamado" sabe como bota medo na gente. Basicamente, para quem não viu, se é que alguém não viu, no filme há uma fita de video K7 que, se assistida, leva à morte quem a assistiu. Detalhe, o telefone de quem assiste à fita toca e uma voz macabra anúncia: sete dias... Que é o prazo após o qual a pessoa morrerá.

"Ochamado" é um filme lançado em 2002, época em que eu tinha 15 anos, uma imaginação fértil e comportamento de criança. Quase dez anos se passaram, eu amadureci. Embora há quem diga que eu pareça um adolescente de 15 anos, algumas coisas mudaram. Uma delas é que não tenho mais medo de atender ao telefone depois de assistir a " O chamado".

Hoje meus medos são outros. Recentemente fiz as últimas provas de um concurso de cinco etapas. Aproximadamente um ano de testes e muita espera. Foi angustiante. Quase morri de ansiedade. O fato é que tudo está perto do fim. Daqui a exatos sete dias o resultado final será publicado. Minha ansiedade está a mil e temo ser reprovado após tanto investimento. Sete dias... como devem passar rápidos para alguém que está para morrer... e como passam devagar para quem espera uma resposta...

Sete é um número cabalístico, cheio de superstições e crenças em torno dele. Para os cristãos é o número de Deus. Da perfeição. Para mim é um número que quero ver diminuindo até chegar a zero. Tendo em vista que o tempo não se deixa governar, o jeito é eu me apegar ao sete, não o da semana que falta para o resultado do concurso, mas o sete de Deus. Ter muita fé e acreditar que o melhor vai me aocntecer, não importando o quão ruim seja esse melhor.

Como tenho costumado a repetir por aí: andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar. Gilberto Gil deve que sabia do que estava falando.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Sábado que vem tem (mais)...

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?

(Carlos Drummond de Andrade)



A vida adulta é tão sem graça quanto eu supunha. Pudera eu evocar aqui todos os poetas e minha angústia não seria definida.

Oh, que saudades que eu tenho da minha infância querida em que eu ansiava aniversários, Natais, Páscoas, quadrilhas e 'setes-de-setembros'. Hoje já não os anseio, mas insistem em vir. Insistem em lembrar tempos áureos, entes idos, sonhos partidos e amores não vividos. Ontem não foi diferente.

Ontem fiz aniversário pela última vez na semana e não poderia ser de outra maneira, ontem foi sábado, a semana acabou. Mas no próximo sábado haverá espetáculo. Minha irmã vem da Bahia. Mais uma vez comemoraremos. Mais uma vez terei de tirar da gaveta minha máscara de festas, meu melhor sorriso e viver o aniversário. Em vez de aniversário eu poderia ter lançado mão de outro substantivo, comemoração, talvez. Mas há de tudo. Há teatro. Encenação. Farsa. Comemoração não há.

Quando fui criança, meus aniversários eram diferentes para mim. Eu manifestava uma real alegria e, honestamente, era grato à vida. Atualmente, percebo que já não há alegria, tampouco gratidão. Questiono. Revolvo-me. Revolto-me.

Ontem, amigos e parentes compareceram. Cada qual fez bem seu papel e soube se posicionar em cena. As falas estavam perfeitas: "nossa, como o tempo passa, não?"; "rapaz, mas que felicidade em vê-lo"; meus mais sinceros votos de felicidade"; "eu não perderia sua festa por nada neste mundo". As vozes ainda ecoam em meus ouvidos. Como estou cercado por pessoas amáveis!

A noite, porém, acabou. Voltei a visitar as masmorras da alma. Tive medo. Quis encontrar o menino que gostava de aniversários. Só encontrei um espelho. Talvez o menino esteja preso, lá dentro, em algum lugar do espelho. Nos olhos que vi, talvez. Quis quebrar o rosto que vi no espelho. Quis libertar o menino. Mas o espelho não se partiu. Quis Gritar. Quis gemer. Quis tocar a valsa vienense... e se eu morresse? _indaguei. Mas você não morre, você é duro, José ! _respondeu-me o poeta. Sábado que vem tem mais.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Novos tempos, velhas cismas


Não sei se é um sexto sentido, mas às vezes tenho a estranha (e desagradável) sensação de que estão me fazendo de bobo. Isso me corrói por dentro, porque trata-se apenas de uma suspeita, um palpite. Tenho me percebido um cara muito ingênuo. Acredito demais nas pessoas, e isso às vezes me faz quebrar a cara.


Nos relacionamentos, cautela vem a calhar, mas desconfiaça não cabe. Recentemente, navegando na internet, eis que surge uma garota, linda, gente fina e solteira. Para completar, nos demos muito bem. Rolou uma empatia enorme e temos muitas afinidades. A relação foi se aprofundando de tal maneira que é como se eu a conhecesse pessoalmente. Como se ela morasse no outro quarteirão.


Infelizmente, no mundo virtual, os relacionamentos podem ser tão conturbados quanto no mundo concreto. Some-se a isso a cautela, que na internet vira desconfiaça. Desconfiança que desperta diversos sentimentos humanos: ciúme, ansiedade, medo... Sim, estou com medo! Medo da minha ingenuidade e da pessoa que posso encontrar. Quando me refiro à pessoa, que fique bem claro que não estou com medo de encontrar uma velha tarada ou um travesti. Não é isso. Minha correspondente e eu já nos vimos, trocamos fotos e temos provas contundentes da existência um do outro.


O medo que sinto é o medo inerente a todo relacionamento. O medo da mentira. De me envolver. De me desgastar. De sofrer. Decidi correr todos os riscos e quero viver esse relacionamento dos tempos modernos. O difícil é conviver com toda essa incerteza... Quero mais é que o virtual se concretize. Que minha musa cibernética venha para o meu mundo de três dimensões.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Que comecem os jogos!


Na antiguidade, para diminuir a insatisfação popular contra os governantes, o Imperio Romano mantinha a política do panem et circenses. Basicamente, a plebe se reunia em estádios para assistirem homens, os gladiadores, lutarem até a morte. O imperador, de seu camarote, era que decidia quem viveria e quem morreria. Um polegar apontado para cima indicava que a vida desgraçada do gladiador derrotado seria poupada. Um polegar apontado para baixo indicava que o perdedor morreria. Sabiamente, o imperador fazia aquilo por que clamava a plateia. De barriga cheia e entretida, a gentalha voltava para sua vida insípida. Mais ou menos como faz hoje o povão brasileiro diante do futebol.

Mesmo pessoas que não são fanáticas por futebol e que não são tangidas junto com a massa, necessitam de subterfúgios como o "pão e circo" romanos. Eu, no exato momento em que escrevo este texto, necessito de algum paliativo para diminuir minha insatisfação. Tal qual a plebe romana, que necessitava de espetáculos sangrentos para se esquecer de sua vida deplorável, eu, e a espécie humana, em geral, necessitamos diminuir nossos descontentamentos. Necessitamos paliativos vários.

A escolha que fiz por esse substantivo foi pensada. Paliativo vem do verbo paliar, que segundo o Dicionário Aurélio quer dizer, entre outras coisas, disfarçar, dissimular, encobrir; tornar aparentemente menos duro, menos desagradável. Paliar é uma necessidade humana, por sua condição efêmera e de incertezas. Não sabemos de onde viemos, nem para onde vamos (se é que vamos a algum lugar depois deste). Para não pensar em tais questões existenciais, nos cercamos de paliativos. Todo esse paliar, porém, não é capaz de nos blindar de tais questões e, num belo dia, nos pegamos angustiados, tristes, cabisbaixos, pensativos, soturnos, macambúzios, sorumbáticos. Passamos a pensar na morte da bezerra.

As épocas que me levam à melancolia são as datas comemorativas. Natal, ano novo e aniversários, principalmente o meu. E qual não é a coincidência? Hoje é vinte de maio, meu aniversário. Eis-me aqui com toda a angústia possível, deconrrente desta data. São três da manhã, o dia mal começou e a insatisfação, parecida com aquela da plebe romana, está instaurada. Necessito da proclamação do augusto césar: que comecem os jogos! Após esta ordem o povão ganhava pão (a rima nem era intencional, mas deixo-a), pessoas, literalmente, se digladiavam, e os problemas pareciam se acabar para a plebe.

Em aniversários, a raça humana se cercou de paliativos muito inteligentes. As pessoas se telefonam como se realmente se interessassem umas pelas outras. Fazem festas, que é uma boa desculpa para comerem todo tipo de comida indigesta, calórica e cancerígena. Compram presentes como se realmente quisessem dar algo ao aniversariante. Interresante notar que somos livres para nos presentearmos o ano inteiro, mas só o fazemos em datas específicas. Depois da internet então, aí que a hipocrisia, digo, o uso de paliativos, descambou de vez. Hoje, basta um simples control+C/control+V e o teatro está encenado.

Há pessoas que, verdadeiramente, gostam de aniversários e dos paliativos que deles decorrem. Eu também já gostei, um dia, lá atrás, na infância. Mas o tempo passou, a ingenuidade se foi e a angústia aumentou. Preciso me dar agora aos paliativos do mundo adulto, pois sei que há.


Em mais um golpe de sabedoria da espécie humana, inventou-se o trabalho e as cidades. O primeiro nos consome, no mínimo oito horas por dia. As segundas nos oferecem carnificinas, acidentes de trânsito, engarrafamentos, violência e um sem número de questionáveis opções de lazer que nos impedem de pensar e, consequentemente, nos angustiar. Talvez um bom presente que posso me dar de aniversário seja um passeio de ônibus por Belo Horizonte, às seis da tarde de amanhã, uma quinta-feira feroz. Pensando bem, melhor é eu não ir. Não seria justo os pobres diabos, que lotarão os coletivos amanhã, terem de disputar comigo os centímetros quadrados mais concorridos da Cidade Jardim. Há quem diga que o metro quadrado mais caro de Beagá está na Savassi ou no alto da Afonso Pena. Eu digo que não. O metro quadrado mais caro de Minas Gerais está dentro dos ônibus que fazem o transporte público, por ele se paga todos os dias. Tem oferta pequena e procura altíssima.

Descartado o passeio pela capital mineira na hora do rush, e considerada minha situação de desemprego, me resta acorrer ao último e mais sublime subterfúgio de que dispõe o homem: o amor. Como é sabido por todos, o amor nos blinda contra qualquer situação adversa, ou como se diz aqui em Minas, com ele, não tem tempo ruim. Está decidido o que quero de aniversário, o melhor dos paliativos. Como escreveu Cazuza, o poeta exagerado:"eu quero a sorte de um amor tranqüilo, com sabor de fruta mordida". E que comecem os jogos!

terça-feira, 18 de maio de 2010

Ainda há salvação.

Segunda-feira é um bom dia para se comprar verduras, frutas e legumes. Assim crê minha mãe, do alto de sua experiência de mulher vivida e atenta. Segunda-feira também é o dia em que as crianças voltam à escola, após um sábado e domingo de muito ócio e energia acumulada. Vivo em uma cidade relativamente grande. Betim é a segunda economia de Minas Gerais e a ela acorreu uma horda de miseráveis, caipiras, nordestinos e pobres de toda maneira. Aqui há emprego.


Com uma arregadação invejável, maior que de alguns estados do norte, a administração municipal se preocupa em atrair mais empresas para gerar mais arrecadação, sem saber o que fazer com as pessoas que vêm atrás dos empregos. A cidade cresceu desordenadamente, o transporte é caótico e não há opções de lazer para a população. O que se tem por aqui mais perto de ser chamado de lazer é uma lagoa que abastece a cidade e aonde algumas pessoas vão morrer afogadas no verão ou são desovadas por traficantes. Há também uma galeria de lojas a qual ousam chamar de shopping e uma avenida por onde as pessoas caminham ou praticam o cooper. O problema da avenida-point é que passa por uma obra que nunca acaba, obra que deixa as pista de caminhadas toda irregular e esburacada, obra que faz um simples exercício físico paracer um passeio pelo deserto em meio a uma tempestade de areia e pó. Enfim, Betim é ótima.


Agora que meu leitor tem noção de como é a maravilhosa cidade em que vivo, prossigo com meu relato. Era segunda-feira e fui com minha mãe ao sacolão. O dia estava acabando quando voltávamos para a casa. As crianças também voltavam para casa, após uma tarde desgastante de aulas (desgastante para os professore, obviamente). Vínhamos, minha mãe e eu, pela Avenida Porto Alegre, (uma das muitas avenidas de Betim que possui um curso d'água canalizado no meio de suas duas largas pistas) quando avistamos uma aglomeração de crianças numa passarela de pedestres que há sobre o córrego do meio da avenida. Gritavam, apontavam para dentro do canal, debatiam, gesticulavam. Minha curiosidade foi ao grau máximo, haveria ali um corpo? Um criança caira lá dentro? Algum louco decidira se banhar naquela água? Fui ver de que se tratava.


Chegando à passarela pude compreender o sucedido. Ocorre que alguém jogara no canal um saco com um cachorro dentro. Os meninas discutiam como resgatá-lo. Estavam indignados com a barbaridade que fizeram ao cachorro. Supunham que o dono do cão o tinha por morto e o descartara ali. Queriam, porque queriam, entrar no canal e trazer para fora o infeliz canino. Continuei meu caminho, processando o quê vi. Quando já estávamos há uns duzentos metros da cena do crime, ouço gritos de júbilo, salvas... resgataram o cãozinho. Quedei-me emocionado. Refleti muito sobre o que vira.




Aquelas crianças e seu ato heróico fizeram-me lembrar de outras crianças de uma outra Betim que conheci. Quando eu cá cheguei o quadro era outro, os pobres daqui eram ainda mais pobres as avenidas sem asfalto e as crianças mais cruéis. Lembro-me de colegas que cometeram verdadeiras atrocidades contra animais e contra outra crianças. Certa vez encontramos, num lote vago, um ninho de gatos. Uma gatinha vira-latas criara meia dúzia e bichanos adoráveis. Minha vontade instantânea foi de levá-los comigo. Corri para casa para pedir à minha mãe permissão de ficar com eles. Ela não queria, mas disse que poderíamos cuidar da gata e dos filhotes até encontrarmos donos para todos. Quando voltei à rua, ao lote vago, tive ganas de matar meus colegas. Eles haviam jogado gatinho por gatinho contra um muro. Estavam todos mortos.


Talvez essa tenha sido essa a primeira vez em que tive ideia de quão cruéis podem ser as pessoas. Daí para frente, decepções foram se acumulando e hoje não me surpreendo facilmente. Minhas surpresas agora advêm da bondade e compaixão de algumas pessoas. Acostumei-me, de tal maneira, a esperar sempre o pior das pessoas que, quando vejo um ato de clemência, como o de segunda-feira, minhas esperanças se renovam, vejo que ainda há salvação e que ela virá das crianças. Invistamos, pois, nelas!