terça-feira, 23 de junho de 2009

As velhinhas são ótimas



Uma das vantagens de estudar na PUC Minas é o longo período de férias que seus alunos gozam. É 23 de Junho e já estou sem ter aulas há pelo menos duas semanas, entretanto, hoje necessitei ir ao campus para falar com uma professora. Como minha irmã ia resolver alguns assuntos ali por perto, aproveitei e fui de carona. Em frente à universidade pedi a ela que me esperasse, voltaria rápido. Ela achou melhor não esperar, pois o que ela tinha para fazer também não demoraria. Combinou de passar para me buscar daí a alguns minutos. Resolvi meus assuntos e fui para um ponto de ônibus próximo ao campus. O tempo foi passando e nada de minha irmã chegar, telefonei-lhe. Fiquei sabendo que ela estava no shopping "olhando só uma coisinha", mas que voltaria rápido. Pobre de mim, cai no conto-do-vigário. Era por volta de 16:30 quando falamos ao celular, 18:00 horas foi quado ela passou para me buscar.

Xinguei, reclamei, praguejei, mas o tempo decidiu não passar. Resolvi então observar os transeuntes e as coisas ao redor. Foi uma experiência interessantíssima. Pude ver que as pessoas se reparam o tempo todo, porém desviam o olhar quando são observadas. Fazem um jogo interessante de rabatidas de olhares. Um olha, o outro desvia; o outro olha... Mas não se cumprimentam! Não iniciam uma conversa. Permanece cada um no seu quadrado. De vez em quando aparece alguma velhinha que foge à regra. As velhinhas são ótimas. Chegam ao ponto perguntando se ônibus que esperam já passou, essa simples pergunta é um disparador de conversa. Se quem estiver no ponto for bom de papo, a conversa se encerra com convite pra tomar cafezinho na casa da velhinha; se for uma pessoa taciturna, não há problema, por mais taciturno que alguém possa ser, esse alguém é no mínimo um corpo que a velhinha poderá interpretar como ouvinte.



É notório e sabido de todos que sou um falador inveterado, logo, sou o delírio das velhinhas. Atualmente, a sociedade ocidental passa por um processo de isolamento cada vez maior do indivíduo. Nos tornamos cada vez mais egoístas, preferimos maltratar nossos tímpanos, ao ouvir nossos ipods no volume máximo, em detrimento de um bom dedo de prosa. Quanto perdemos agindo assim... A começar pelo café da velhinha, perdemos receitas de bolo, de chás, de remédios caseiros, perdemos narrativas fantásticas, exemplos de vida e uma comunicação com o passado que pode enriquecer nosso futuro.


Não pensemos que dialogar com idosos é algo maçante ou incongruente com a atualidade. Muito pelo contrário! Dia desses, encontrei, também num ponto de ônibus, uma velhinha que foi maconheira - eu nunca imaginei, até então, que isso fosse possível. Foi uma das conversas mais proveitosas que tive na vida. Se eu pudesse na hora, teria chamado uma equipe do Fantástico para mostra a todo o Brasil o depoimento que apenas eu e uma mulher tivemos a oportunidade de ouvir. Lembro-me que estavam conversando a mulher (aproximadamente 27 anos) e a idosa (85 anos, os quais enfatizou). Em dada altura do diálogo, o silêncio falou mais alto e a mulher, numa atitude quebra-gelo, falou qualquer coisa sobre "os jovens de hoje em dia que se perdem nas drogas". Foi o ensejo para a velhinha dar seu testemunho. Com habilidades de boa oradora, contou-nos sobre os tempos passados. Contou-nos como fugiu de casa para ir atrás de um homem casado e como se viciou em barbitúricos e outras drogas. Disse, com desdém para a hipocrisia da sociedade, que as drogas existem desde que o mundo é mundo e que apenas vão se substituindo as fórmulas. Terminou seu relato contando como conseguiu dar a volta por cima: força de vontade e apoio, no caso dela, encontrado na religião. Já à porta do ônibus em que embarcou, fez uma constatação muito séria. Disse, à mulher para quem "os jovens de hoje em dia" são um problema, que cadeia não resolve, que apenas mais policiais não resolvem, que nenhuma iniciativa punidora resolve a crise moral e de valores pela qual o Brasil passa. Em tom solene vaticinou: a solução virá no dia em que nos amarmos mais uns aos outros, no dia em que pararmos de olhar para o próprio umbigo. Embarcou no ônibus e eu nunca mais a vi.


O depoimento sobre as drogas mais as quase duas horas que minha irmã me deixou esperando-a, serviram para eu pensar que talvez a solução de nossos problemas esteja nos pontos de ônibus ou nas velhinhas, não sei ao certo. Por enquanto é só um pensamento, não completei meus devaneios, mas creio que se não for uma solução, bater papo no ponto de ônibus é melhor do que ouvir ipod, pelo menos não deixa ninguém surdo.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Noctívago, pero no mucho


É fato: sou um adepto da noite. Desde a mais tenra idade, tenho problemas para dormir. Das primeiras lembranças que tenho da infância, a mais antiga talvez seja a de minha mãe deitada comigo e cantando para eu dormir: Para o neném dormir, mamãe canta uma canção/ Para o neném dormir perto do meu coração... Quanta saudade trago no peito...! Mas creio se tratar de uma saudade solitária, é bem possível que minha mãe não tenha boas recordações dessa época. Ocorre que quando ela começava a cantar eu a acompanhava e o que era para ser uma canção de ninar se transformava numa cantoria.


Na pré-adolescência, com rotina quase militar a ser seguida, sentia-me extremamente perturbado e não compreendia o porquê da vontade quase incontrolável de varar a noite acordado. À luz - ou à treva - da religião, atribui minha angústia a alguma espécie de espírito malígno. Somente a rebeldia adolescente foi capaz de me levar a transgredir uma lei pétrea de minha casa: a noite é para dormir. Inúmeras madrugadas passei lendo, assistindo televisão, navegando na internet ou simplesmente rolando na cama, pensando na morte da bezerra. Fazia-o sem culpa, sem medo de ser feliz, e nunca me senti prejudicado por isso. Minhas notas na escola eram exemplares e eu dava conta de assimilar bem os conteúdos que estudava. Não era sonolento, tampouco desanimado.

Os vinte anos chegaram e com eles as responsabilidades de adulto: consegui um emprego. Trabalhava numa fábrica de espumas automotivas, de seis da manhã às três da tarde, prestava monitoria na universidade, de quatro às sete, e estudava de sete às dez e meia da noite. Foram dias difíceis, mas para espanto dos que atribuiam minha preferência pela noite à falta do quê fazer, eu chegava em casa morto de cansaço e não conseguia dormir cedo. Alguém pode pensar que se tratava de insônia, mas não, eu sinto sono. Tenho um relógio biológico que só me diz que é hora de dormir depois das quatro da manhã. Mesmo com uma rotina de derrubar qualquer cristão (o trabalho na indústria era muito pesado), inúmeras vezes eu passei a noite em claro, rolando na cama, e fui para a lida sem ter pregado os olhos. A solução que encontrei foi pedir aos meus superiores que me transferissem para o turno da noite.

O tempo das vacas magras, graças a Deus, passou. Hoje posso me dedicar exclusivamente aos estudos e vou me virando com a graninha dos estágios, mas o hábito de trabalhar à noite persiste, como agora. É algo quase que instintivo, a noite começa e com ela minha mente fica desperta, meus sentidos se tornam mais aguçados e as idéias começam a ferver. É à noite que eu me encontro, ou me perco... Acontece, porém, que recentemente a culpa por dormir tarde voltou a me rondar. Na minha casa seguimos a linha politicamente corretos. Nos preocupamos com o meio ambiente, com a política, acompanhamos o que acontece à nossa volta e cuidamos de nossa alimentação e de nossos hábitos. Para nos mantermos bem informados, estamos sempre lendo publicações que abordam temas relacionados à qualidade de vida. Uma das revistas que assinamos é "Saúde!", da Editora Abril. Nela sempre há reportagens interessantes sobre nutrição, estudos científicos, et cetera. No mês passado, a matéria de capa foi sobre nove atitudades que ajudam a evitar o câncer. Quando a revista chegou, fui com toda sede ler a matéria e qual não foi minha decepção? A primeira atitude: durma cedo. A matéria diz que o não dormir nos expõe ao câncer e que, em caso deste já estar se desenvolvendo, as noites em claro só fazem acelar a evolução da doença. A reportagem diz ainda que é também à noite, quando nos entregamos ao travesseiro, que a glândula pineal, no cérebro, fabrica a melatonina - hormônio que regula o ritmo biológico e tem efeito antioxidante. Para o desespero dos noctívagos, não basta só dormir à noite, segundo a revista, o pico na produção de melatonina ocorre por volta de uma da manhã e é necessário que se esteja dormindo há pelo menos uma ou duas horas.

Foi um golpe terrível para mim, só não me alarmei mais por que os estudos científicos ainda têm muito que prosseguir. Tenho tentado tomar as tais atitudes de que a revista fala, mas já esbarro logo na primeira, como estou fazendo agora - precisamente uma hora da manhã - ao escrever este texto. Minha cota de melatonina de hoje já foi para o beleléu... tentarei compensar dormindo mais cedo amanhã, digo, hoje. Por isso : sou noctívago, pero no mucho.